MPMS aponta retirada de valores de empresas de fachada para ocultar desvios


Após a deflagração da Operação Turn Off, em novembro de 2023, suspeitos de desviar recursos da APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) iniciaram uma série de movimentações financeiras para esvaziar contas de empresas de fachada envolvidas no esquema, conforme investigação do Gecoc (Grupo Especial de Combate à Corrupção).
De acordo com as apurações que levaram à nova fase da investigação, denominada Operação Occulto, foram retirados R$ 1,139 milhão, que tiveram como destino as contas pessoais de Paulo Henrique Muleta de Andrade, então coordenador da APAE, e do contador João Antônio de Freitas da Silva. Parte do dinheiro também foi repassada a um empresário do setor varejista de Campo Grande, supostamente para uso em agiotagem, com o intuito de encobrir as transações fraudulentas ligadas à instituição.
A defesa de João Antônio afirma que já entregou documentação comprovando a legalidade das empresas e notas fiscais das vendas realizadas para a APAE.
Na Operação Occulto, deflagrada em 10 de março, o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) solicitou a prisão dos dois investigados desta fase, mas o juiz da 2ª Vara Criminal de Campo Grande, Robson Celeste Candeloro, autorizou apenas a detenção do ex-coordenador da instituição.
O inquérito conduzido pelos promotores Adriano Lobo Viana de Resende e Humberto Lapa Ferri indica que as movimentações financeiras começaram no dia 4 de dezembro de 2023, poucos dias após a Operação Turn Off, ocorrida em 29 de novembro.
“Assim que Paulo Muleta obteve a substituição da prisão preventiva, realizou duas transferências da Estomacare Produtos Hospitalares para sua conta pessoal, totalizando R$ 585.809,09”, aponta o relatório. A Estomacare, segundo a investigação, foi criada juntamente com outras empresas para facilitar o desvio de recursos, com um montante total de R$ 8.163.500,25 desviados entre 2021 e 2023.


Nos meses seguintes, segundo a investigação, as retiradas continuaram com o objetivo de ocultar a origem e movimentação dos valores ilícitos. Além dos R$ 585.809 transferidos da Estomacare para Muleta, ele repassou R$ 21.650 para João Antônio. Outras duas empresas, Mimedical Comércio e Distribuidora de Produtos Hospitalares e JA Comércio de Produtos Hospitalares, abertas em nome de João Antônio, transferiram R$ 333.700 e R$ 198.000, respectivamente, para contas pessoais do contador.


A investigação também identificou a participação de um empresário do setor varejista na movimentação dos valores. O nome do comerciante não foi divulgado, pois ele não é formalmente indiciado. Segundo o MPMS, João Antônio transferiu R$ 800 mil para a conta do empresário e mais R$ 100 mil para uma empresa dele, totalizando R$ 900 mil. As transações ocorreram simultaneamente aos repasses feitos pelas empresas ligadas ao esquema.
Exemplo disso é uma transação rastreada em 25 de março de 2024, quando a Mimedical enviou R$ 250 mil para João Antônio, que, no mesmo dia, repassou R$ 275 mil ao empresário.
As investigações indicam que parte do dinheiro desviado foi utilizado para prática de agiotagem. A análise do celular de João Antônio, apreendido na Operação Occulto, revelou indícios de empréstimos a juros elevados. Em um dos diálogos, ele menciona um empréstimo de R$ 150 mil com taxa de 5%, a ser pago em 10 a 15 dias. Entre 25 e 26 de março de 2024, João Antônio teria repassado R$ 400 mil ao empresário para intermediar outro empréstimo. No total, R$ 800 mil teriam sido utilizados para essa finalidade, sem retorno detectado pelas investigações.
Defesa
A advogada Rejane Alves de Arruda, representante de Paulo Muleta, informou que entrou com habeas corpus para libertá-lo, mas o cliente não deseja comentar as acusações.
O advogado Jully Heyder da Cunha Souza, que defende João Antônio, afirmou que os processos estão sob sigilo e criticou o vazamento seletivo de informações. Ele garantiu que seu cliente colabora com as autoridades e apresentou documentos que comprovam a legalidade das empresas e das vendas à APAE. Segundo a defesa, as notas fiscais já foram entregues ao MPMS, demonstrando que os produtos foram fornecidos mediante concorrência pública com garantia do menor preço entre os concorrentes.
O advogado ressaltou que a investigação ainda está em fase inicial e que não há decisão judicial que considere ilegais as atividades de João Antônio, reafirmando sua confiança na inocência do cliente e condenando o que classificou como “execração pública injusta”.