Conforme especialistas vêm defendendo há muitos anos, incluindo cirurgiões da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), o Índice de Massa Corporal (IMC) não será mais o único parâmetro utilizado para a definição de obesidade.
Foi publicado, na terça-feira (14), o resultado do trabalho de uma comissão formada por 58 especialistas de todo o mundo que atuam no tratamento da obesidade, incluindo dois pacientes. Entre os integrantes da comissão está o ex-presidente da SBCBM e atual presidente da Federação Internacional de Cirurgia para a Obesidade (IFSO), Ricardo Cohen.
Com o apoio da revista científica The Lancet, foram propostas novas diretrizes para diagnosticar a obesidade, reconhecendo-a como uma doença crônica e contínua, e não apenas como um fator de risco para outras doenças relacionadas ao excesso de gordura, como diabetes e hipertensão. Os especialistas chegaram a 18 sinais e sintomas capazes de indicar quando a obesidade é doença em adultos — e outros 13 em crianças e adolescentes.
A publicação da Lancet Diabetes & Endocrinology Commission distingue também obesidade clínica da obesidade pré-clínica, conforme a presença ou ausência de manifestações clínicas objetivas de disfunção orgânica. O diagnóstico clínico requer um ou ambos os seguintes critérios principais: evidência de função reduzida de órgãos ou tecidos devido à obesidade (ou seja, sinais, sintomas ou testes diagnósticos mostrando anormalidades na função de um ou mais sistemas de tecidos ou órgãos); ou limitações substanciais, ajustadas por idade, nas atividades diárias, refletindo o efeito específico da obesidade na mobilidade, em outras atividades básicas da vida diária (por exemplo, banho, vestimenta, higiene, continência e alimentação), ou ambos.
O grupo utilizou o método Delphi para alcançar consenso sobre critérios diagnósticos, enfatizando a necessidade de confirmar o excesso de gordura além do IMC e considerando limitações nas atividades diárias.
DIVISOR DE ÁGUAS
O documento traz recomendações para clínicos e formuladores de políticas públicas, focando na prevenção e tratamento baseado em evidências.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, Juliano Canavarros, a redefinição proposta é um divisor de águas na compreensão e no manejo da obesidade, já que diferenciando obesidade pré-clínica e obesidade clínica, os novos critérios reconhecem que o excesso de adiposidade pode se manifestar de formas distintas, ora como um fator de risco, ora como uma condição de doença estabelecida.
“A Obesidade Pré-Clínica define o excesso de gordura corporal sem evidências de disfunção orgânica, mas com risco aumentado de progressão para doenças crônicas. Já a Obesidade Clínica caracteriza-a como uma doença sistêmica crônica, com disfunções funcionais em órgãos e tecidos, incluindo alterações metabólicas, cardiovasculares e estruturais”, afirma Canavarros.
Para ele, os novos critérios de avaliação têm vantagens como, a inclusão de métodos como circunferência abdominal, razão cintura-quadril e medidas diretas de adiposidade, como o DEXA, que permitem uma avaliação mais fidedigna do impacto da obesidade na saúde.
“Essa abordagem evita tanto o subdiagnóstico (em pessoas com IMC normal e alta adiposidade) quanto o sobrediagnóstico (em atletas com alta massa muscular). Também reconhece a obesidade clínica como uma doença baseada em alterações funcionais objetivas baseada em evidências e não apenas no peso, promovendo um cuidado mais centrado no indivíduo e alinhado com os princípios da medicina personalizada, para reverter disfunções e melhorar a qualidade de vida. Já na Obesidade Pré-Clínica permite a implementação de estratégias de monitoramento, aconselhamento e intervenções preventivas para evitar a progressão da doença”, destaca Canavarros.
POLÍTICAS PÚBLICAS
Outro benefício da nova definição é que ela combate a ideia de que a obesidade é apenas uma falha de comportamento ou estilo de vida, reconhecendo-a como uma doença multifatorial e sistêmica, promove-se um cuidado mais humanizado, com redução do estigma associado à condição.
“Esses avanços representam uma oportunidade para transformarmos a forma como abordamos a obesidade em nossos sistemas de saúde. Na SBCBM, acreditamos que a integração desses novos critérios fortalecerá ainda mais as abordagens multidisciplinares que sustentam a cirurgia bariátrica e metabólica e estamos comprometidos em liderar esforços para disseminar essas diretrizes no Brasil, colaborando com médicos, gestores de saúde e pacientes para promover mudanças significativas em nosso sistema de saúde”, completa Canavarros.
Confira os 18 sinais da obesidade clínica em adultos:
1. Dores de cabeça recorrentes e perda de visão. Às vezes, têm a ver com a pressão intracraniana aumentada.
2. Apneia do sono. Quando você se deita e dorme, a gordura em excesso no abdômen e na garganta faz o ar encontrar resistência para passar. A respiração sofre breves (e ruidosas) interrupções.
3. Falta de ar. Ela mostra que os pulmões e o músculo da respiração, que é o diafragma, têm dificuldade para se expandir.
4. Insuficiência cardíaca de fração reduzida: o coração não se contrai direito para bombear o sangue.
5. Fadiga e inchaço nas pernas. Esses sintomas podem indicar outro tipo de insuficiência cardíaca, a de fração preservada. Nela, o coração não relaxa direito. O bombeamento do sangue também fica prejudicado.
6. Palpitações e ritmo cardíaco irregular. São sinais de arritmias.
7. Hipertensão pulmonar: quando sobe demais a pressão da artéria que leva o sangue do coração até os pulmões para ser oxigenado.
8. Trombose venosa: quando surgem coágulos nas veias das pernas.
9. Hipertensão. Isto é, pressão sanguínea acima dos valores saudáveis.
10. Alterações metabólicas: quando o exame de sangue acusa aumento do colesterol LDL ou dos triglicérides ou, ainda, dos níveis de glicose, por exemplo.
11. Doença hepática gordurosa: quando exames de imagem encontram gordura infiltrada no fígado, o que é capaz de inflamá-lo.
12. Excesso da proteína albumina na urina: este é um dos sintomas de rins que não estão funcionando a contento.
13. Escapes de xixi: se os episódios de incontinência urinária se tornam frequentes.
14. Menstruação irregular, falta de ovulação e síndrome dos ovários policísticos: são sinais de problemas reprodutivos em mulheres.
15. Deficiência de testosterona nos homens e baixa produção de espermatozoides: indicam problemas reprodutivos no público masculino.
16. Dores nos joelhos e/ou na bacia. Elas acusam problemas articulares.
17. Linfedema. Ele causa inchaços e dores crônicas.
18. Limitações em atividades básicas do dia a dia: se a falta de mobilidade dificulta tarefas como tomar banho, vestir-se e outras.
Nas crianças e nos adolescentes, vale lembrar, são 13 critérios, muitos deles em comum com a lista dos adultos.