Pacote anunciado nesta sexta prevê investimento contra crime na Amazônia e projeto para tornar ataque nas escolas um crime hediondo
O decreto de armas divulgado nesta sexta-feira (21) pelo governo Lula (PT) passa para a Polícia Federal a responsabilidade sobre CACs (caçadores, atiradores e colecionadores). Até então, quem cuidava dessa categoria era o Exército.
Como a Folha antecipou, a mudança estava sendo estudada por membros do governo. A leitura é de que o Exército falhou na fiscalização de CACs durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e que haveria mais controle na PF.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, explicou que haverá um prazo de 180 dias para que tenha a migração progressiva de competências do Exército para a Polícia Federal, mediante acordo de cooperação.
Segundo o ministro, haverá a migração integração para a PF de tudo que se refere a CACs.
“Quando concluirmos a transição afirmo a todos e todas que vamos ampliar e muito a fiscalização de clubes de tiros e de CACs. Isso inclusive é uma determinação do TCU (Tribunal de Constas da União). Infelizmente, existem os bons e os maus, como aconteceu com clubes de tiro existe muita atividade ilegal disfarçada”, disse o ministro.
O Exército publicou em seu site um aviso informando que os CACs passariam a ser de responsabilidade da Polícia Federal na quarta-feira (19) e que os serviços estavam bloqueados. O texto foi excluído em seguida.
O anúncio antes da publicação do decreto gerou confusão e contestação de CACs. O Exército disse, em nota, “que o aviso a respeito do tema foi publicado de forma equivocada na página inicial do Sistema de Gestão Corporativo, gerenciado pela Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados. Tão logo verificado o erro, a página foi retirada do ar”, disse o Exército.
Dino explicou que vai haver o Programa de Recompra, que ainda precisa ser regulado neste ano com uma nova normativa. No entanto, antecipou que deve ter valores atrativos para incentivar que armas sejam devolvidas.
Além disso, o decreto cria medidas que dificuldade a manutenção das armas, como encurtar o prazo de renovação de registro.
Até o momento, a pasta trabalha com a política de entrega voluntária. Dino, entretanto, não descarta que no futuro possa haver caminhos mais coercitivos, isso vai depender dos indicadores de violência.
A pessoa que já tenha um fuzil, mesmo que hoje não possa mais adquirir, como os atiradores de nível 1 e nível 2, poderá usar essa arma e terá que se adequar ao novo número de munições.
Colocar no decreto que CACs e o cidadão comum possam ficar com as armas já adquiridas é uma sinalização para a bancada da bala, que tinha esse como um dos principais pleitos. Inclusive, antes de o decreto sair do Ministério da Justiça e Segurança Pública e ir para o Planalto, deputados foram chamados na pasta para serem informados sobre o que entraria no texto.
Outro acordo, do governo com a bancada também antecipado pela Folha, foi de voltar ao número de armas que era antes do governo Bolsonaro (PL). A intenção era não apertar e nem liberar demais o quantitativo de armas aos CACs.
Na avaliação de Dino, esse é um decreto ponderado em que todos os atores envolvidos no tema foram ouvidos, reduzindo o número de armas, limitando a expansão de clubes de tiro e fortalecendo a fiscalização.
Segundo Dino, o decreto vai evitar que armas sejam desviadas do mercado legal para o ilegal. Na sua visão, o armamentismo irresponsável fortaleceu as facções criminosas no Brasil.
“Armas nas mãos certas e não armas nas mãos das pessoas que perpetuam feminicídio. O senhor [Lula] está salvando a vida de milhares de mulheres brasileiras, de crianças, de adolescentes do Brasil”, disse Dino.
Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, disse que o decreto definitivo melhora em muito a qualidade das regras de acesso à armas e munições no Brasil e fecha uma série de brechas criadas por Bolsonaro que estavam sendo exploradas pela criminalidade, sem impedir o acesso da arma para a defesa e outras atividades.
“É um grande passo a ser comemorado, mas que precisará ser acompanhado de maior capacidade de fiscalização destas categorias, em especial dos CACs. E da solução de problemas históricos como a unificação de bancos de dados para consulta e rastreamento em investigações policiais”, destacou.
O decreto ainda não foi publicado no Diário Oficial da União e faz parte de um pacote de segurança anunciado que inclui a criação de um plano para combate a crimes na Amazônia com R$ 2 bilhões de investimento.
No Plano Amas – Amazônia: Segurança e Soberania, os recursos virão do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP). De acordo com o texto, ele contemplará os nove estados da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Roraima, Rondônia e Tocantins).
Os recursos serão para “o enfrentamento aos crimes na região, especialmente crimes ambientais e conexos”.
De acordo com o ministério, haverá ainda a implementação de 28 bases terrestres e seis fluviais para combater crimes ambientais e infrações correlatas, totalizando 34 novas bases integradas de segurança (PF, PRF e Forças Estaduais).
Há a previsão ainda da implementação de Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, com sede em Manaus, e a estruturação e aparelhamento do Centro de Cooperação Policial Internacional da Polícia Federal, também na capital.
PROJETO QUER TIPIFICAR VIOLÊNCIA NAS ESCOLA COMO CRIME HEDIONDO
Outra medida apresentada é um projeto de lei que prevê tornar crime hediondo violência contra escolas. O texto é uma sugestão das famílias das vítimas do ataque à creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau (SC).
No caso de crime hediondo, o condenado não tem direito a fiança e não pode ser alvo de indulto ou anistia. A pena será de reclusão de 12 a 30 anos. Também prevê um novo crime, de violência em instituições de ensino, para situações de lesão corporal, com detenção de três meses a três anos.
O ministério também anunciou repasse de R$ 1 bilhão do fundo nacional de segurança para os estados, sendo que a primeira metade dos valores será paga em agosto e o restante quitado até o fim do ano. Também há previsão de repasses para os 24 estados e 132 municípios habilitados no programa Escola Segura de R$ 170 milhões.
VEJA PRINCIPAIS MUDANÇAS JÁ DIVULGADAS NAS REGRAS DE ARMAS
Quantidade de armas para defesa pessoal
Governo Bolsonaro: até 4 armas de uso permitido, sem necessidade de comprovação da efetiva necessidade, com possibilidade de ampliação do limite. – Até 200 munições por arma, por ano.
Governo Lula: até 2 armas de uso permitido, com comprovação de efetiva necessidade; além de 50 munições por arma, por ano.
Divisão em níveis de atiradores
Governo Bolsonaro: atiradores deixaram de ser divididos em níveis.
Governo Lula: voltam a ser divididos em três níveis. Eles terão que comprovar frequência em clubes de tiro e em competições.
Quantidade de armas para atiradores
Governo Bolsonaro:
Atiradores desportivos
– Até 60 armas, sendo 30 de uso restrito;
– Até mil munições por arma de uso restrito, por ano (30 mil/ano);
– Até 5 mil munições por arma de uso permitido, por ano (150 mil/ano)
– Até 20kg de pólvora.
Governo Lula
Atirador nível 1
Definição: Oito treinamentos ou competições em clube de tiro, em eventos distintos, a cada 12 meses.
– Até 4 armas de fogo de uso permitido;
– Até 4.000 cartuchos, por ano;
– Até 8.000 cartuchos .22 LR ou SHORT, por ano.
Atirador Nível 2
– Definição: Doze treinamentos em clube de tiro e quatro competições, das quais duas de âmbito estadual, regional ou nacional, a cada doze meses
– Até 8 armas de fogo de uso permitido;
– Até 10 mil cartuchos, por ano;
– Até 16 mil cartuchos, por ano .22 LR ou SHORT.
Atirador Nível 3
Definição: Vinte treinamentos em clube de tiro e seis competições, das quais duas de âmbito nacional ou internacional, no período de doze meses
– Até 16 armas de fogo, sendo 12 de uso permitido e até 4 de uso restrito;
– Até 20 mil cartuchos, por ano;
– Até 32 mil cartuchos por ano .22 LR ou SHORT.
Quantidade de armas para colecionadores e caçadores
Governo Bolsonaro:
Caçadores
– Até 30 armas, sendo 15 de uso restrito;
– Até 1 mil munições por arma de uso restrito, por
ano (15 mil/ano);
– Até 5 mil munições por arma de uso permitido,
por ano (75 mil/ano).
Colecionadores
– Até 5 armas de cada modelo;
– Vedadas as proibidas, automáticas, nãoportáteis ou portáteis semiautomáticas cuja data
de projeto do modelo original tenha menos de 30
anos.
Governo Lula
Caçadores excepcionais
– Até 6 armas;
– Até 500 munições, por arma, por ano;
– Necessidade de autorização do Ibama.
Colecionadores
– Até 1 arma de cada modelo, tipo, marca, variante, calibre e procedência;
– Vedadas as automáticas e as longas semiautomáticas de calibre de uso restrito cujo 1º lote de fabricação tenha menos de 70 anos.
Armas calibres 9mm e .40 e.45
Governo Bolsonaro: as armas passaram a ser de uso permitido e podiam ser liberadas para CACs e para defesa pessoal.
Governo Lula: as armas voltam a ser de uso restrito.
Porte de trânsito para CACs
Governo Bolsonaro: o Exército concedia autorização para trafegar com a arma do local de guarda até o clube de tiro ou de caça. Uma arma de cano curto podia ser transportada municiada.
Governo Lula: a Polícia Federal concede autorização para trafegar com a arma do local de guarda até o clube de tiro ou de caça. A arma deve ser transportada desmuniciada e por um trajeto preestabelecido.
Fiscalização
Governo Bolsonaro: o Exército era responsável pela fiscalização de CACs, clubes de tiros, lojas de armas, armeiros e segurança das instalações de clubes de tiro.
Governo Lula: a Polícia Federal passa a ser responsável pela fiscalização de CACs, clubes de tiros, lojas de armas, armeiros e segurança das instalações de clubes de tiro.
Funcionamento de clubes de tiro
Governo Bolsonaro: clubes de tiro podiam funcionar em qualquer lugar e por 24 horas.
Governo Lula: clubes de tiro poderão funcionar de 6h às 23h. Eles devem ficar a 1 km de escolas. Os estabelecimentos em desconformidade terão um prazo de 18 meses para adequação.
Caça para controle de javali
Governo Bolsonaro: a caça com arma de fogo era permitida para qualquer caçador com registro no Exército e com autorização no Ibama.
Governo Lula: a caça passa a ser excepcional e só poderá ocorrer quando outras formas menos cruéis, como armadilha, não forem eficazes. Para isso será preciso apresentar uma comprovação.
Programa de Recompra
Governo Bolsonaro: não havia
Governo Lula: previsão de programa de recompra com foco nas armas que eram de uso permitido e passarão a ser de uso restrito (segundo semestre de 2023). Nenhuma arma será obrigada a ser entregue.
Redução da validade dos registros de armas de fogo
Governo Bolsonaro: validade de 10 anos
Governo Lula: – 3 anos para colecionador, atirador desportivo e caçador excepcional; 5 anos para registro concedido para fins de posse e caça de subsistência;