Já houve muitos murmúrios sobre imprecisões históricas na alegria ofegante de Ridley Scott ao longo da vida do próprio Alexander da Córsega. Ele não atirou nas pirâmides. Ele não esteve presente na execução de Maria Antonieta (Catherine Walker é ela no filme). Ele não participou, quando general, de ataques de cavalaria. Darei aos pedantes esta última. Essa construção nervosa, neurótica e autoiludida – um personagem derivado, mas não totalmente obediente à história – é confortável nos primeiros cenários. Mas os generais não fazem isso.
Joaquin Phoenix torna o personagem seu em uma atuação muito parecida com a dos quadrinhos. O golpe de Estado que leva nosso herói ao poder é filmado no estilo de Carry On Don’t Lose Your Head (1967). O filme se aproxima da trepada lúbrica revelada nas cartas de Napoleão, permitindo que as cenas de sexo com Josephine (uma incrível Vanessa Kirby) assumam a qualidade de uma folia pintada por Da Vinci. Digamos apenas que o coitus more ferarum está em maior evidência do que o habitual nessas coisas e segue em frente.
Às vezes, a abordagem arrogante irrita um pouco, porém é a sua forma natural. Phoenix parece muito velho durante as primeiras escaramuças. Apenas uma pequena amostra das impressionantes reformas internas de Napoleão seria bom. Alguma noção da estranheza do corso? Mas este continua a ser um retrato extremamente divertido no estilo bandes dessinées (quadrinhos). Certamente não é coincidência que Scott tenha povoado o filme com comediantes britânicos. Miles Jupp é o imperador da Áustria. Kevin Eldon é o médico do protagonista. Pisque e você sentirá falta (como, de fato, eu senti) de Phil Cornwall interpretando um carrasco. “Arranjem uma vida!” Scott comentou sobre historiadores não convencidos.
O foco principal da imagem vai das décadas de 1790 a 1810. Vemos Napoleão (Joaquin Phoenix) triunfar no cerco de Toulon, mostrar-se implacável com a multidão em Paris, manobrar para chegar ao poder, coroar-se imperador, triunfar em Austerlitz, fracassar na Rússia, regressar em Waterloo, declinar em Santa Helena. Nem é preciso dizer que as 2 horas e meia progridem bastante. Na verdade, às vezes o filme parece um enorme trailer da versão de quatro horas que, segundo rumores, está chegando ao Apple TV +. Essa falta de ar fica mais evidente nas excelentes sequências russas. O filme já nos banhou em muitas vísceras, mas as imagens arrebatadas de franceses pregados ensanguentados em árvores (sugerindo, ironicamente, a visão de Goya sobre as vítimas de Napoleão na Espanha) apontam para um grand guignol* maior ainda nos discos rígidos de Scott.
* Espetáculo dramático caracterizado por extremo horror e bizarria, destinado a criar pavor e pânico.
Não se pode deixar de ser equívoco sobre a aparência atual de tais épicos. Imagens geradas por computador permitem uma imagem mais completa de Waterloo. Mas o azul acinzentado que cobre tudo é monótono. A leveza das imagens nega a empatia. Nada aqui se compara remotamente à vivacidade que Kubrick encontrou em suas sequências de combate consideravelmente menos complexas em Barry Lyndon. Talvez apenas Christopher Nolan pudesse agora encontrar dinheiro para encenar tais cenas.
Ah bem. Estamos onde estamos. Agora com 85 anos, Ridley Scott prova mais uma vez que não há ninguém tão eficiente em levar a tecnologia contemporânea ao limite. Ele também extrai performances heróicas de seres humanos carnais. Enquanto Marlon Brando e Rod Steiger, ambos homens estranhos em seus caminhos, pareciam estar imitando a excentricidade no papel, Joaquin Phoenix, apesar de toda a amplitude do filme, chega a uma classe de neurose totalmente crível. Vanessa Kirby carrega uma tristeza que fala de ultrajes anteriores nunca totalmente expressos como Joefine. Menção especial deve ser dada ao veterano Paul Rhys – também excelente como mordomo em Saltburn – que faz algo notavelmente oleaginoso do astuto diplomata Talleyrand. “Um homem determinado pela paz a qualquer custo”, diz ele sobre Napoleão. Uma ameaça implícita que ainda hoje tem ressonâncias.
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