Há uma cena no segundo episódio de Mare of Easttown, a nova série policial da HBO, na qual não consegui parar de pensar desde que assisti. Mare, a detetive da polícia titular do programa (interpretado por Kate Winslet), visita um local rural onde o corpo de uma menina foi encontrado e se prepara para informar o pai da menina junto com John e Billy (primos). Quando Kenny (Patrick Murney) descobre o que aconteceu, ele fecha os olhos, balança a cabeça e explode, esmagando objetos aleatórios ao seu redor e empurrando os outros homens enquanto eles o abraçam e o restringem. Mare os observa à distância com um olhar simpático, mas não surpreso. Ela sabia exatamente como Kenny reagiria, e entendeu, também, que ela não estaria segura com ele e sua dor.
Alguns dos dramas de crime superlativos dos últimos anos têm usado astutamente sua localização para um impacto dramático: pense nas ondas implacáveis de Broadchurch, ou na umidade opressiva do meio-oeste de Sharp Objects, ou nas montanhas primitivas e sombrias de Top of the Lake. Mas Mare of Easttown é outra coisa: um drama que, ao explorar os laços entre seus personagens e a natureza de seus crimes, conta uma história ricamente definida por um lugar.
O assassinato é incomum, mas a violência é previsível, oriunda de um fato da vida que o show explora com especificidade discreta.
Situado na área do oeste da Filadélfia, conhecida como Condado de Delaware, a série expõe sua topografia tão intencionalmente quanto casualmente. Seus atores até imitam o sotaque do pessoal de lá (como se falassem com um sorriso largo e fixo no rosto).
Como personagem, Mare incorpora o ambiente – ela é sombria e estóica, principalmente com uma aparência discreta. Ela conhece melhor do que ninguém as falhas da cidade onde cresceu; seus esconderijos, pontos problemáticos e vulnerabilidades.
Mare é encarregada de investigar a morte de uma mãe adolescente chamada Erin (Cailee Spaeny), e se juntou a Colin, um jovem detetive (Evan Peters) cujos instintos empalidecem em comparação com os dela. Na maioria das vezes, Mare sabe antes de iniciar um caso quem cometeu um crime e por quê, e ela tem sua própria métrica para decidir quais transgressões merecem uma resposta mais feroz. O outro lado da proximidade de Mare com as pessoas que ela policia é que muitas vezes ela se posiciona como árbitro da justiça de uma forma que ultrapassa seu papel, e o programa deixa claro que ela está longe de ser imparcial.
Personagens de detetives como Mare – resolutos, pouco demonstrativos, frequentemente desviados por preconceitos pessoais, e intimamente ligados à sua comunidade – não aparecem com frequência na televisão americana, por isso chama a atenção aqui. Longe de apresentar as ações de Mare como defensáveis, a série acena com a cabeça para as inúmeras maneiras pelas quais os policiais podem abusar de seus poderes. É especialmente surpreendente ver Winslet, com sua habilidade de habitar ingenues rosadas, desaparecer na lama incolor de Mare, com as suas raízes escuras fincadas numa persona inescrupulosa.
Ironicamente, os personagens da cidade são tão bem desenvolvidos, e o sombreamento da fictícia Easttown é tão delicado que alguns dos elementos mais sensacionais da série, ocasionalmente parecem fora do lugar. A mãe de Mare, Helen (Jean Smart), proporciona um alívio cômico ao alfinetar constantemente sua filha; Colin é tão impetuoso e idealista quanto Mare é cínica e cansada; e sua melhor amiga, Lori (Julianne Nicholson), é a folha mais macia das arestas abrasivas de Mare.
Por outro lado, a série se baseia – como muitas séries de crime – na morte ou abuso de mulheres jovens para seu enredo. Mare of Easttown faz um trabalho habilidoso ao contar as histórias de outras mulheres que desapareceram, incluindo como os opioides atrofiaram suas vidas promissoras. Sem fazer do vício seu foco agressivo, o show o pinta como uma realidade arraigada para os locais, tão comum e impossível de evitar quanto armas e punhos.
Mais crucial, porém, é a escolha do programa de apresentar uma comunidade sem julgamento. Para um trabalho sobre um canto negligenciado da América, não há nenhuma crítica sarcástica escondida na série, não. Em vez disso, Mare of Easttown é apenas um retrato sutil e texturizado de um lugar onde algumas pessoas estão sofrendo e uma mulher está fazendo o seu melhor para ajudá-los.
5 pipocas!
Disponível na rede HBO e HBO Go.