Um ato de equilíbrio entre dependência e autodeterminação caracteriza a história de Yuma Takada (Mei Kayama) contada em 37 Segundos, um filme da diretora Hikari que ganhou o Panorama Audience Award em 2019. O filme começa com uma cena de Yuma no trem em Tóquio, com a cabeça na altura das virilhas de outro passageiro. Quando ela sai do trem, ela é revelada em uma cadeira de rodas – Yuma tem paralisia cerebral. Quando ela chega em casa, ela e sua mãe (Misuzu Kanno) tomam banho juntas. Este momento de ternura captura o melhor do intenso cuidado entre as duas, cujas complexidades se tornam mais aparentes ao longo do filme, enquanto a tomada de Yuma na altura do quadril prenuncia o foco do filme em sua curiosidade sexual emergente. Isso é algo que vai atrapalhar seu relacionamento com sua mãe protetora.
Yuma é uma talentosa artista de mangá. Ela trabalha para sua prima, a Srta. Sayaka (Minori Hagiwara) – mas fica claro que ela está explorando-a e levando todo o crédito por seu trabalho. Um empresário até encoraja a Srta. Sayaka a se declarar como tendo uma assistente deficiente, sugerindo que isso a tornaria mais popular, mas ela se recusa, saboreando assim sua fama sozinha. Conforme isso continua, aumenta sua dependência de Yuma. Ao mesmo tempo, Yuma começa a enviar seus quadrinhos para outras publicações em seu próprio nome mas, é rejeitada repetidamente, pois “seus desenhos se parecem muito com os da Srta. Sayaka”. Ficando sem opções, ela telefona então para uma publicação de hentai (quadrinhos eróticos) que está ansiosa para atrair mais leitoras do sexo feminino. Quando ela chega ao escritório com seus desenhos, uma editora, interpretada por Yuka Itaya, pergunta com suspeita se ela já fez sexo: uma pergunta que provavelmente não era feita a outros artistas “normais”. Enfim, quando Yuma diz que nunca fez, a editora responde “Achei que sim” e pede que ela volte quando tiver mais experiência sexual.
Assim começa o experimento sexual de Yuma. Ela tenta conhecer homens online e marca encontros com muitos estranhos. Mas, o candidato mais promissor eventualmente confessa: “Nunca pensei que me sentiria confortável com pessoas com deficiência”, e embora diga que é aberto e pareça sincero, não aceita tirar sua virgindade – mesmo assim o encontro a deixa animada. Como já estava arrumada e no centro da cidade, Yuma decide pegar o que veio buscar e contrata um trabalhador do sexo. Mas nada foi tão “didático” quanto ela imaginava. Ele chega dizendo a ela que cobra extra para meninas em cadeiras de rodas, se recusa a beijá-la quando ela pede educadamente e vai embora com nojo, dizendo que ele não pode “levantar”. A cena é incrivelmente dolorosa de assistir pois o tratamento que ele dá a Yuma é horrível.
Só que quando Yuma sai do seu quarto no motel, ela finalmente conhece alguém gentil: ao vê-la se esforçando para descer no prédio inacessível, uma mulher acompanhando um homem que também usa uma cadeira de rodas oferece a ela uma carona. A mulher (Makiki Watanabe) é uma assistente sexual; muitos dos clientes dela são deficientes, e assim ela se torna uma mentora de Yuma, cujos modelos femininos até agora são uma mãe super protetora e uma prima exploradora. Sua orientação é recebida de uma mulher experiente e versada nas diversas necessidades das pessoas com deficiência que discute a sexualidade livremente.
A mãe de Yuma a acha muito vulnerável para namorar e nem mesmo permite que ela use vestidos quando sai de casa sozinha. A voz de Yuma é suave e seus movimentos limitados, e como esses atributos sugerem incapacidade, os outros constantemente presumem que ela seja passiva e fraca, e não uma mulher crescida. A mãe de Yuma também acha que o sexo seria perigoso para ela, nunca considerando que poderia ser prazeroso ou desejável.
O experimento sexual de Yuma é motivado não só por seus próprios desejos, corpóreos ou românticos, mas também pela oportunidade e vontade de se tornar profissionalmente independente.
37 Segundos mostra que o que Yuma tem que superar é em grande parte a internalização de suposições capacitistas impostas a ela por seus familiares, e não por suas próprias limitações reais. O título do filme sugere que os trinta e sete segundos pelos quais Yuma não respirou ao nascer definem toda a sua história, mas ela pode colorir esse quadro. Yuma pôde aprender assim a explorar o mundo e a si mesma, com a ajuda de novos amigos, indo além dos limites que sua família impôs a ela. Inclusive, em busca de intimidade sexual, ela encontrou também uma série de relacionamentos íntimos não sexuais: com a assistente sexual, com um cuidador e até com parentes separados.
Depois de tanta aventura Yuma também entendeu que os impulsos superprotetores da mãe eram motivados pelo cuidado: um cuidado que ela precisa e aprecia. Mas agora, ela aprendeu a definir esse cuidado em seus próprios termos, o que exige que sua mãe reconheça seu livre arbítrio. Ela prova para a mãe que pode se vestir e se banhar e, finalmente, prova á editora que vale a pena publicar seus quadrinhos, mesmo que não sejam sexuais. Em outras palavras, ela mostra àqueles que duvidam dela por sua incapacidade de assimilar que sua maneira alternativa de fazer as coisas também é valiosa, e que um amor que permite o espaço para falhar e se machucar pode ser tão doce quanto tomar um banho.
5 pipocas!
Em cartaz na Netflix.