“Essas mortes são evitáveis porque há uma série de violências que são constituintes e antecedentes a ela. O feminicídio é a ponta do iceberg, é a consequência. Então, temos que ter um olhar muito mais cuidadoso para o que veio ante”.
Esta sábia e oportuna reflexão é de uma advogada, Carmen Hein de Campos, advogada doutora em Ciências Criminais. Ela foi consultora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência Contra a Mulher, designada em 2011, instalada em 2012 e concluída em 2013. Já lá se vão 11 anos e sua conclusão se mantém atual. Atualíssima.
A realidade faz crer que enquanto não se conscientizar autoridades e sociedade sobre as causas, o assassinato, a humilhação, as ameaças e outros atos de violência de gênero seguirão entupindo as estatísticas. As campanhas de prevenção e as medidas institucionais de proteção, repressão e segurança são necessárias e ajudam a combater o problema. Porém, não atacam a raiz.
O que se tem é o reflexo de uma sociedade patriarcal, dominada por conceituações de milênios que, por meio de preceitos religiosos, da cultura do sexo forte e do regramento da economia e da convivência pelo olhar do macho a imposição pela força, “ensinaram” a mulher a obedecer ao homem. O marido é o sustentador da casa e a mulher lá está para servi-lo.
Assim também é nas relações afetivas, sejam familiares ou conjugais. Ele, sempre o dominador, o predador. Ela, a presa, submetida pelo tacão falsamente moral, mas dolorosamente irrecorrível, da tal fidelidade, que ao ser posta em dúvida resulta quase sempre na agressão do macho “ferido” em sua autoridade.
Não é casual, portanto, que os gráficos sobre o feminicídio indiquem a recorrência desta barbárie. Mato Grosso do Sul teve 11 mulheres mortas por seus ex ou atuais companheiros nos três primeiros meses do ano. Em 2023, o Estado era o 4º com o maior número de mulheres assassinadas no país, com 32 feminicídios. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em território sul-mato-grossense eram 2,1 vítimas de feminicídio a cada grupo de 100 mil mulheres no mais recente levantamento.
Há quem sugira o remédio mais tradicional: orar, recorrer a Deus. É bom, é salutar, traz esperança. Porém, aos seres humanos Deus concedeu o arbítrio, a liberdade de escolha. E para certos indivíduos isto significa ter a faculdade de descarregar suas mágoas, fraquezas, frustrações e sentimentos de perda matando quem está mais perto, a mulher.
Até onde vamos?