“Tudo como dantes no quartel de Abrantes”
A expressão indicando que nada mudou foi cunhada no século 19. Napoleão invadiu Portugal. Instalou-se na cidade de Abrantes, onde se proclamou duque e permaneceu ali sem ser incomodado por ninguém, já que toda a corte portuguesa havia fugido para o Brasil. Então, se alguém perguntasse como iam as coisas no reino, vinha a famosa definição.
Esta é a divertida versão de uma história que combina realidade e invencionice bem-humorada. No entanto, ao associar a frase a episódios reais do cotidiano local, a fantasia vira pesadelo, causa perplexidades e assusta, sobretudo diante de comentários sugerindo possíveis e terríveis desdobramentos da “Operação Cartão Vermelho”.
Policiais e Ministério Público do Gaeco cumpriram seu papel na primeira etapa de desmonte de um criminoso esquema de rapinagem na Federação de Futebol. O líder das mutretagens, Francisco Cezário, que é denunciado pelo desvio de mais de R$ 6 milhões da entidade, além de empregar a sobrinhada, amiguinhos e filhos de amiguinhos, poderá se livrar da cadeia por causa da avançada idade. Aos 77 anos?
Muita gente que inspirou aquela célebre sentença (“os canalhas também envelhecem”) já completou 80 anos entre as grades. Mas o “seu” Cezário, que não deve ser canalha, tem costas quentes. Não fosse assim, nem haveria o temor de pessoas que insistem em afirmar que tudo aqui vai continuar como dantes.
O pior é que, sem uma intervenção gerenciada por gente responsável, inatacável, séria, justifica-se este tipo de temor. Não seria a primeira vez. Há indícios que reforçam a possibilidade dos “panos quentes”. Uma das hipóteses, por exemplo, é decretar-se a intervenção com um interventor escolhido entre os parceiros de Cezário e dos dirigentes da CBF, entidade que sabia de tudo e com tudo conviveu, agradavelmente, por 27 anos.
Intervenção não é remédio para todas as doenças. Entretanto, é a saída mais consequente e objetiva para, num primeiro momento, blindar a Federação e não permitir que dela se aproximem os mesmos de sempre. Eles estão aí, rondando a carniça, sabendo que dentro dela tem tudo que um Ali Babá desejaria.
Outra pergunta que se faz agora, no capítulo das estranhezas: onde estão os dirigentes que elegeram, reelegeram e benzeram Chico Cezário até hoje?
Algum deles se manifestou para aprovar a operação ou até para fazer a defesa do todo-poderoso e ligeiro ancião?
Com dantes, esse quartel só aceita faíscas e chumaços, mas nunca vai pegar fogo. Né mesmo, Abrantes?