Enquanto o presidente da República, seus filhos e ministros, como os da Educação, Abraham Weintraub, e Relações Exteriores, Ernesto Guimarães, continuam encontrando comunistas debaixo da cama, a mesma República é ameaçada de nova retaliação política e institucional.
Parcela da população anda saindo às ruas para reivindicar a escuridão, qual seja uma intervenção militar com seus penduricalhos de sadismo ideológico, entre eles o AI-5, o Decreto 477 (que degolou a autonomia universitária), a censura à imprensa e às artes. O país já passou por essa vergonha durante 25 anos. Mas tem gente que não se importa e gente que nem sabe o que significa essa intervenção, achando tratar-se de um antídoto eficaz contra a corrupção e a desordem.
Felizmente, outra parcela da população, a maioria; as instituições (Congresso Nacional, Judiciário, Ministério Público, OAB, etc); e as próprias Forças Armadas não acodem ao intento golpista que o próprio presidente anda estimulando. No domingo passado, Jair Bolsonaro foi à manifestação golpista em frente a uma unidade do exército, em Brasília, e discursou para uma claque de seguidores levantando cartazes, faixas e as vozes com palavras-de-ordem clamando pela volta da exceção.
Além de repetir as agressões que vem fazendo ao bom-senso e às recomendações da Ciência e a Medicina, incentivando e participando de concentrações, o chefe da Nação fez um discurso que se somou aos propósitos dos manifestantes. Traiu as urnas que o elegeram e desonrou a procuração popular que lhe foi delegada pela democracia, o regime que deveria defender em vez de desqualificar e tratar como se fosse um estorvo ao Brasil.
Segundo o professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Oliver Stuenkel, o mandatário brasileiro alcançou o objetivo de desviar o foco da discussão sobre a pandemia e as medidas necessárias para contê-la. “Ele conseguiu pautar a agenda do debate público e desviar o foco. Diferentemente do resto do mundo, que discute como melhor responder à pandemia, nós estamos discutindo se haverá golpe militar ou não”.
Isso é verdade e expõe a todos uma verdade ainda mais preocupante: se as coisas continuarem nesse compasso, com o presidente e seus milhares de seguidores entrando em cena a todo momento para incentivar a quebra do amplo isolamento social, atacar as instituições, insuflar as agressões à imprensa e ainda reivindicar a violação do estado democrático e de Direito, os brasileiros do Brasil livre e do respeito à Constituição precisam se levantar.
São duas frentes de lutas necessárias, infelizmente de difícil condução ao mesmo tempo: prevenir-se de uma pandemia virótica e barrar as tentativas de uma indesejável ruptura institucional e política. Resistir à contaminação com o Covid-19 parece bem mais simples, não exige mobilizações presenciais, bastando ficar em casa e tomar os cuidados preventivos para inibir a propagação do coronavírus.
No entanto, duas notícias – boas para os democratas, ruins para o capitão e seus seguidores fanáticos – merecem registro, porque são tranquilizadoras e estimulantes ao Brasil. A primeira dá conta da resposta negativa dos militares ao convite de Bolsonaro para que o acompanhassem ao encontro dos manifestantes no domingo passado, em frente a um quartel do Exército. Dois generais-ministros disseram a ele que não iriam para não dar a impressão de que são favoráveis àquela manifestação.
A segunda notícia é a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que atendeu solicitação do procurador-geral da República, Augusto Aras, para abrir um inquérito e apurar “fatos, em tese, delituosos”, praticados em manifestações antidemocráticas que violam a Constituição e que teriam, inclusive, o concurso de deputados. Eles já estão identificados e sendo investigados.
Oxalá se estabeleça logo o Brasil da claridade, da democracia, da Constituição e do Estado de Direito!