Há 20 anos, o ítalo-brasileiro André Puccinelli assumia a Prefeitura de Campo Grande. Era fruto de uma exitosa combinação de fatores políticos e sociais: saiu de Fátima do Sul em 1983 com fama de médico humanitário, competente e carismático para comandar a Secretaria Estadual de Saúde na administração de um correligionário, o governador peemedebista Wilson Martins.
Rápido, objetivo, atirado, na Secretaria de Saúde abriu caminho para ingressar na política e se elegeu deputado estadual em 1986. Seu estilo “faz-tudo” e a midiática ousadia o promoveram para um voo mais alto e saiu das urnas em 1994 como deputado federal. Já estava tão à vontade e integrado às coisas de Campo Grande que interrompeu o mandato congressual pela metade para disputar a Prefeitura. Em polêmica decisão de dois turnos, venceu o segundo por 411 votos contestados até hoje pelo adversário Zeca do PT.
Prefeito de 1997 a 2004, abancou-se na fama de empreendedor e fez dela o seu trampolim para concorrer ao governo em 2006. E foi nos oito anos à frente do governo estadual que o outro lado ou a outra cara de Puccinelli começou a aparecer diante da sociedade. Além de grosseiros erros de gestão, como o brutal endividamento do Estado, passou a ficar encurralado nas paredes da ética e da competência como autor de uma fila de obras inacabadas ou que não saíam do papel, do vergonhoso projeto do Aquário do Pantanal – gota d´água para desmoronar o mito do “grande tocador de obras” – e do miraculoso e suspeito enriquecimento pessoal, de amigos, familiares e aliados.
Denúncias do Ministério Público, investigações e operações de forças-tarefa que combatem a corrupção passaram a ter em André Puccinelli um dos principais alvos em Mato Grosso do Sul. Com a queda da máscara, voltaram a aflorar outros traços que até então eram vistos com olhares condescendentes. Debalde a indiscutível força política e eleitoral, Puccinelli passou também a ser visto em suas facetas de truculência, destempero verbal (chegou a trocar socos na rua), deselegâncias (ofendeu autoridades) e de ingratidão.
O ingrato Puccinelli se revelou em ampla dimensão quando, diante da iminente ascensão do amigo e correligionário Michel Temer à presidência, comandou seus liderados na campanha orquestrada para demonizar o ex-presidente Lula e a então presidente Dilma Rousseff, esta, inclusive, defenestrada com votos unânimes dos fiéis ao mandarim peemedebista sul-mato-grossense.
A corte andrezista festejou ruidosamente a queda de Dilma e com as mais depreciativas classificações, pouco se dando ao fato de que a governante deposta tinha sido, nas palavras de Puccinelli, sua “fada-madrinha” e a responsável, juntamente com Lula, pelo maior aporte de verbas federais da história do Estado. Enquanto teve a caneta nas mãos, e por oito anos, Puccinelli perseguiu quem se recusava a servi-lo como serviçal, tratorou (adorava ser chamado de trator) aliados que não queriam seguir a sua cartilha e fez da propaganda um dos destinos mais recorrentes dos investimentos para a promoção pessoal.
Hoje, experimenta o sabor, amargo, da receita que durante esses 20 anos tentou eternizar por meio da mitificação da excelência de um político que se imaginava – ou ainda se imagina – um deus. O rei, porém, está nu, despido por investigações que a cada dia demonstram clara e inapelavelmente o rombo que ele e seus sequazes cavaram nos cofres estaduais, segundo o MPF e a Polícia Federal. A força-tarefa ainda não conseguiu sequer fazer o cálculo exato de quanto se desviou das finanças públicas por esquemas desmontados e operadores apanhados com a boca na botija.
Querem saber o que é uma pessoa e do que seja capaz, deem a ela dinheiro e poder. Quando fez no exterior um contrato milionário, o jogador Ramirez, ex-Cruzeiro, foi indagado pelo repórter sobre o que faria com o dinheiro. Ramires foi professoral: o dinheiro, a fama, os bens são o que são. O que importa é a pessoa ser o que é, com ou sem riqueza. Puccinelli fez o contrário: preferiu ser pobre num esquema que desviou milhões. Ou bilhões.
GERALDO SILVA