É fato: não há mais como ter parcimônia com os repetidos, insolentes e flagrantemente desafiadores ataques do chefe da Nação às instituições e à própria democracia, atingindo ainda com essas botinadas a honra das pessoas, chegando ao ponto de ameaçar uns e outros que o critiquem. Não foi por acaso que STF e TSE decidiram abrir procedimentos de responsabilização por infrações já tipificadas no corpo conceitual e institucional da Constituição e do acervo jurídico.
O presidente Jair Bolsonaro simplesmente não se dá bem com o debate ou com a pluralidade de ideias. Ou, para ser mais objetivo: não se dá bem com tudo o que possa significar democracia. Ao contestar as urnas eletrônicas, ele não está se referindo exatamente àquela geringonça eletrônica de uso digital. Na verdade, ele se insurge contra o voto que pode tirá-lo do poder.
Declarar guerra ao STF, ao TSE e às urnas eletrônicas, imputando-lhes pechas desairosas e desqualificações das mais descabidas, é um comportamento que vem atender única e tão-somente aos seus delírios. Por isso, delirante, não se importa em agredir o instrumento mais eficaz e energizador das democracias, que é o voto. Um voto que, no sistema brasileiro, se pratica dentro das mais seguras e testadas normas de controle, de segredo e de eficiência, à prova de fraudes ou qualquer manipulação do gênero.
Alguém precisa parar com isso e deter quem faz isso. Alguém que tenha tal atribuição, que possa agir dentro da lei e tenha independência. E é preciso estar atento para ter certeza da necessidade nacional de impedir que a voz descompensada do golpe se amplifique. Prestemos atenção no que afirma não um adversário ou um inimigo de Bolsonaro, nem um dos ofendidos por seus ataques, mas um de seus ex-aliados, o general Santos Cruz, que foi seu ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência, em entrevista na última terça-feira:
“A intenção de Bolsonaro é a destruição das instituições. Ele cria confusão deliberada com o sistema de votação para provocar convulsão social e intervenção das Forças Armadas. É muito fácil de enxergar isso. A Anvisa foi desmoralizada, o Ministério da Justiça, o Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras) foi desmoralizado, as Forças Armadas estão tendo um desgaste fantástico. Eu fiquei 47 anos no Exército, eu nunca vi as Forças Armadas sofrerem um desgaste tão grande como estão sofrendo agora”.
Será que o Brasil e os guardiões de sua democracia vão esperar que 1964 amanheça dentro de nossas casas?