“Vivo condenado a fazer o que não quero
Então bem comportado às vezes eu me desespero
Se faço alguma coisa sempre alguém vem me dizer
Que isso ao aquilo não se deve fazer
Restam meus botões…
Já não sei mais o que é certo
E como vou saber o que eu devo fazer
Que culpa tenho eu, me diga amigo meu
Será que tudo o que eu gosto
É ilegal, é imoral ou engorda”
A velha e sugestiva canção de Roberto Carlos deveria ecoar em alto volume por toda Campo Grande nestes primeiros dias de 2025. Não para referir-se aos desafios da obesidade e da gula alimentícia, mas para trazer à tona das consciências locais uma desafiadora realidade, envolvendo poder político, legitimidade, direitos, deveres, necessidades e, acima de tudo e de todos, princípios.
Na reveladora letra desta famosa canção, encontra-se, por analogia, uma situação que abarca a política, a ética e a responsabilidade no exercício de mandatos e atividades públicos. E ainda um interessante litígio pessoal entre o certo e o errado, o que fazer e o que não fazer e o imoral e o legal. A prefeita Adriane Lopes deveria ou poderia ter ficado incomodada lendo as notícias sobre sua posse acompanhadas de informações sobre o aumento de salário dado a si mesma.
Não foi um aumento qualquer. Foi um salto gigantesco para receber a partir deste mês quase 100% (exatos 96,7%) mensais, deixando para trás, no seu mais recente holerite, uma remuneração de R$ 21,2 mil por mês. Agora, a cada 30 dias, a gestora da cidade vai embolsar legalmente R$ 41,8 mil, o equivalente a 27 salários mínimos.
Este articulista não nega a necessidade de bons salários para todos os trabalhadores, do poder público ou iniciativa privada. Porém, considerando a conjuntura econômica e as diferenças abismais nas remunerações entre a maioria e a minoria (uma casta) dos servidores públicos, constata-se que o ato da prefeita só é legal dentro da gaiola da lei. Fora dela, este aumento só pode ser adjetivado naquilo que representa sob o chão viscoso do imoral, do antiético, do inoportuno, do abusivo.
Cabe à prefeita, a autoridade máxima neste caso, recusar tal reajuste, por meio de decreto ou documento cartorizado de fé pública. Porém, agora é política e moralmente tarde. Mesmo que o faça, terá sido consequência de críticas e do mal-estar que causou ao seu redor, incomodando até mesmo os aliados de campanha e a turma do “amém”. Se a vice-prefeita, secretários e vereadores foram igualmente aquinhoados, poderão passar quase ao largo da polêmica. O peso maior será implacável, como sobrecarga ética, sobre os ombros da dona da caneta mais poderosa na política campo-grandense.
Quem sabe se a coisa muda, inspirando-se na canção do Roberto.