Às vésperas da abertura oficial da campanha sucessória em Campo Grande instala-se uma polêmica que exige um olhar mais cuidadoso no filtro analítico de todas as pessoas. Aquelas que desejam expressar sua opinião ou embrenhar-se no imprevisível labirinto de julgamentos, precisam nutrir suas ideias e consciências com doses vigorosas de sensatez, o máximo de atenção e, acima de tudo, conhecimento sobre o enredo, as origens e envolvimentos.
A polêmica foi gerada por uma intervenção tão insólita quanto estranha do Tribunal de Contas (TCE/MS), por meio de seu nobre presidente, Jerson Domingos. Impedido legalmente de exercer, atuar ou imiscuir-se nos terrenos da política reservados aos políticos militantes, o chefe deste órgão auxiliar do Poder Legislativo derramou no ambiente da disputa eleitoral um caldeirão de óleo fervente, claro e objetivamente ajustado na direção de um dos pré-candidatos, o deputado federal Beto Pereira, do PSDB.
Talvez nem seja o caso de erguer o histórico político de Domingos, que se identifica com os interesses de um partido, o MDB, e se escora em longo e proveitoso usufruto de mandato de deputado estadual, com o qual foi várias vezes presidente da Assembleia Legislativa. Alguém pode até dar palpites sobre suposto interesse da Corte ou de seu presidente em prejudicar ou beneficiar alguém com intervenções que afetem, diretamente ou não, o equilíbrio que a legislação e os credos institucionais definem para todas as disputas eleitorais.
Isto, certamente, nada ou pouco tem a ver com a caricata decisão que o conselheiro tomou, ao sugerir, até com certo estardalhaço, uma possível inelegibilidade do concorrente tucano. Fez de uma argumentação frágil e descolada dos fatos reais, à margem da própria legislação que ele e o TCE deveriam estar defendendo e preservando, um poderoso motivo para gerar na sociedade o natural e necessário questionamento sobre a higidez jurídica, institucional e ética da Corte.
Para não precipitar conclusões e afastar por ora qualquer desconfiança sobre ação de má fé, permite-se classificar o episódio como uma presumível barbeiragem do TCE. Se as contas no alvo do conselheiro referem-se ao período em que o pré-candidato foi prefeito (2005-12), porque só agora, 12 anos depois, a Corte se manifestou? Esta pergunta impõe outra, e ainda mais demolidora: onde estavam o TCE e demais órgãos de fiscalização e controle quando o citado político do PSDB se candidatou, em 2016 e 2020, para sair das urnas eleito e reeleito deputado federal?
Aqui não se trata de defender Chico ou Terezinha. O que se quer é dar aos fatos a luz necessária para desfazer uma escuridão imposta por versões fantasiadas com uma verdade sob grossas e grosseiras roupas, quando a verdade anda nua e transparente. Há alegações absurdamente pinçadas na manifestação do TCE como se retratassem acontecimentos reais, alegações que não resistem a um primeiro choque de realidade.
Um exemplo: além de não constar da rigorosa vigilância da Justiça Eleitoral ao registrar as candidaturas para checar quem está ou não na “ficha suja”, o histórico de Beto Pereira não consta de quaisquer decretos ou atos da Câmara Municipal reprovando suas contas no município que administrou.
Para completar a bizarrice deste quadro bufo, em vez de ser estigmatizado ou diminuído eleitoralmente por um eventual malfeito no lançamento de seu nome aos abutres, o concorrente tucano pode ser visto e considerado pela opinião pública como uma vítima da concorrência.
O TCE, uma instituição que obrigatoriamente precisa estar marcada pela seriedade e pela isenção no seu proceder constitucional e jurídico, não pode mais repetir erros grotescos que num passado recente levaram alguns de seus titulares às páginas policiais, com tornozeleiras e bloqueios de bens.
Para emitir qualquer juízo de valor é necessário entender que, quando existem disputas políticas ou eleitorais, existem interesses distintos que se contrapõem e se alimentam da sinceridade ou da intensidade das paixões de cada um.