Entrou em vigor no dia 23 o conjunto de mudanças na legislação penal e processual no País, que nasceu do chamado “pacote anticrime”, concebido pelo ex-juiz e ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. É uma receita que contém avanços inovadores, mas mantém algumas brechas antigas. Por isso, está no centro de uma polêmica longe de acabar, tantas são as opiniões que se chocam nos círculos especializados.
Em resumo, uma das situações que mais preocupam a sociedade é a impunidade. E por mais que se esforcem os legisladores comprometidos com o combate à boa vida dos criminosos comprovadamente qualificados, os impunes seguem respirando o oxigênio soprado pelo famoso e resistente “jeitinho” brasileiro. Um dos privilégios que ainda abastecem os corruptos é a brecha jurídico-judicial que leva os magistrados a tocar o samba de uma nota só, de manhã bloqueiam os bens de bandidos e à noite desbloqueiam.
Há entulhos preocupantes no projeto de Moro, que foi remendado e alterado pelo Congresso Nacional. A criação do juiz de garantias é um avanço, sim, e já vem sendo adotado por vários tribunais estaduais no Brasil e em outros países. Para uma parcela dos juristas trata-se de designar um magistrado responsável pela supervisão de uma investigação criminal, apenas, e não para decidir sobre o caso, num sistema processual penal de estrutura acusatória.
Há especialistas, contudo, que enxergam esse juiz como aquele que vai decidir sobre questões da investigação. Assim, o juiz natural, o que vai julgar, não participa da produção dos elementos indiciatórios. Dessa forma será resguardada, em princípio, a necessária imparcialidade de quem irá julgar o processo. O presidente do STF, Dias Toffoli, adiou por 180 dias a entrada em vigor da atuação do juiz de garantias.
Outro penduricalho perigoso é o acordo de não-persecução penal, pelo qual o indiciado deve cumprir condições como a de renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados como produto ou proveito do crime. Advogados entendem tratar-se de mais um benefício para atender criminosos de pequeno escalão.
Na nova lei, o instituto da delação premiada agora obriga o delator a narrar todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados. Assim, não se pode mais usar do acordo para revelar crimes que não estejam relacionados diretamente à investigação em curso.
Serviços de advocacia como o dos escritórios FM Almeida e L. Pitta entendem que a nova legislação “começa a colocar a palavra do delator em seu devido lugar, uma vez que impede que sua versão, por si só, justifique e fundamente o deferimento de medidas cautelares, como prisão, busca e apreensão e até mesmo o início de uma ação penal, conforme aconteceu aos montes na indigitada Operação Lava Jato e muitas outras”.
Embora a cadeia dê a ideia de freio na impunidade, é essencial que a legislação atente para o rigor punitivo sem perder de vista as garantias inerentes aos processos de ressocialização e mitigação das penas a quem delas fizer jus. Lugar de bandido é na cadeia, mas os presídios não podem ficar superlotados com a presença de gente que demora a ser julgada ou cujos crimes são passíveis de sentenças alternativas.
Assim opina FM Almeida: “O encarceramento, na maioria das vezes, não soluciona o problema criminal. Os presídios estão cada vez mais lotados e o tratamento desumano é cada vez mais comum, situação que dificulta, para não dizer impossibilita, a ressocialização. Pesquisa do Conselho Nacional do Ministério Público em 2018, considerando 1.456 estabelecimentos penais, verificou que a taxa de ocupação dos presídios brasileiros era de 175%, sendo ainda mais desesperadores os dados de suicídio, falta de acesso à saúde e à educação”.
Com todas essas considerações, espera-se que o pacote anticrime traga respostas incisivas para atacar os vãos grandes e os vãozinhos que restam na legislação. Tudo deve ser feito para impedir que a malandragem ganhe sobrevida e não deixar que a impunidade mantenha corruptos em liberdade, alguns disputando eleições ou até protegidos por mandatos, ativos na vida pública, zombando da lei, das pessoas de bem e, se duvidar, até de Deus.
GERALDO SILVA