Paulo Boggiani é um dos homenageados do Festival de Inverno de Bonito (FIB) em 2016. O geólogo fez um trabalho pioneiro para a região onde mapeou os atrativos naturais de Bonito e deu o primeiro passo para estruturar a cidade bonitense a se tornar um destino turístico mundialmente conhecido. Ele atualmente é professor do Instituto de Geociências da USP.
Na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul desenvolveu pesquisas sobre a geologia da Serra da Bodoquena e Corumbá. Paulo também coordenou o primeiro curso de formação de guias de turismo em Bonito, em 1992, e o plano de manejo das grutas do Lago Azul e Nossa Senhora Aparecida. O geólogo foi diretor científico da Fundect (Fundação de Apoio à Pesquisa de Mato Grosso do Sul), tendo participado de sua criação e estruturação.
Confira abaixo a entrevista em que Paulo relata a sua relação com Bonito e reflete sobre as ações ambientais que a região necessita na atualidade.
FIB – Como começou a sua relação com a cidade de Bonito?
Paulo Boggiani – Ouvi falar de Bonito por volta de 1982 no Congresso Brasileiro de Geologia no qual estavam presentes a Lélia Rita Figueiredo e o Sérgio da Gruta. Eu não conhecia. A partir da apresentação deles ficamos maravilhados com as imagens da Gruta do Lago Azul. Recebemos um convite para conhecer a região e fomos pra lá em 1983. Vimos a potencialidade da região, as cavernas e ficamos sabendo de um buraco muito grande e fundo ao lado da Gruta do Lago Azul, onde fomos com os peões de uma fazenda. Vimos que tinha mais de 60 metros de profundidade. Era possível a exploração naquele momento, mas a gente não tinha equipamento. Conhecemos este local em 1983 e batizamos de Abismo Anhumas. Em 1984 retornamos para fazer o mapeamento deste abismo e outros locais da região. Fizemos um grande trabalho de exploração e estudo de diretrizes para o turismo de Bonito. Interessante porque Bonito tinha a sua potencialidade, mas não mostrava esta projeção internacional que tem hoje. Tanto que a gente imaginava que podia ser uma alternativa a visita ao Pantanal. As pessoas iriam para o Pantanal e aproveitariam para conhecer as cavernas de Bonito. Hoje a realidade é totalmente outra, as pessoas vêm apenas para a região de Bonito.
FIB – Você trabalhou um bom tempo na região durante o seu mestrado. isso acabou o trazendo para morar em MS.
PB – Sim. Eu me formei em Geologia e bastante interessado propus fazer meu mestrado sobre a região de Bonito. Então trabalhei muito tempo em campo estudando a geologia da região. Após o mestrado eu tive a oportunidade de fazer um concurso na UFMS em 1992, quando fui morar em Campo Grande e passei a ter maior contato ainda com o lugar.
FIB – Qual acontecimento você destacaria que foi fundamental para que a região de Bonito ser descoberta como destino turístico mundial?
PB – Um acontecimento muito importante para a região de Bonito foi uma expedição franco-brasileira, organizado por brasileiros. Eles receberam os mergulhadores franceses que fizeram vários mergulhos na nascente do Rio Formoso e na própria Gruta do Lago Azul e encontraram as ossadas da megafauna no fundo do lago. Esta expedição rendeu matéria no Globo Repórter e houve uma grande repercussão na mídia, o que projetou bastante a região no Brasil e no mundo. Foi neste momento que o Aurélio Rosa, que era o presidente da Fundação de Turismo, me convidou para coordenar um curso de formação de guias de turismo na região. Em parceria com o Sebrae, por meio do Arnaldo Lei, começamos o curso naquele final de 1992.
FIB – O que representou para você ter ajudado a criar este curso de formação de guias de bonito?
PB – A minha relação mais profunda com Bonito foi a coordenação deste curso de formação de guias de turismo. Foi a melhor coisa que eu fiz na minha vida. Foi uma experiência muito gratificante porque eu tive a oportunidade de reunir uma equipe de pessoas muito comprometida com Bonito e interessada com a sua preservação. Foi um momento em que a região se encontrava em ameaça de degradação porque era uma época da grande expansão das plantações de soja na região sem nenhum cuidado ambiental. Todos estes rios de águas muito límpidas, nós vimos eles totalmente turvos, vermelhos de terra, do solo que vinha das lavouras de soja. Neste primeiro curso todos os ministrantes das aulas e os professores da UFMS passavam para os guias de turismo esta imagem de que a salvação de Bonito estava na mão deles. Isso se perpetua até hoje. Os guias têm grande interesse e uma grande preocupação ambiental.
FIB – Explique a geologia que circunda Bonito e o que a torna diferente do restante do país?
PB – A região da Serra da Bodoquena e de Bonito, como um todo, é uma paisagem diferenciada das demais porque ali se encontra uma concentração muito extensa de uma rocha calcária. O calcário tem esta característica de se dissolver e formam estas feições de cavernas e condutos subterrâneos. Em especial na região da Serra da Bodoquena nós temos os seus rios com um outro tipo de depósito, que são as tufas calcárias que formam estas cachoeiras e barragens que, na verdade, são também os grandes atrativos da região.
FIB – Qual a importância de preservar os rios de bonito?
PB – Toda esta paisagem de Bonito é muito dependente da qualidade de suas águas. Por isso a preservação e a manutenção da qualidade das águas é fundamental. Realmente nós temos uma grande preocupação porque as extensas várzeas e as cabeceiras de alguns dos principais rios, como do próprio Formoso, estão começando a ser ocupadas. Uma medida de preservação é totalmente necessária se nós queremos a manutenção da atividade turística da região de Bonito e da própria qualidade de vida das pessoas que vivem lá.
FIB – Como equilibrar a manutenção do meio ambiente e o desenvolvimento econômico?
PB – Uma discussão sobre um zoneamento da região de Bonito já passou do tempo de ser realizado. Nós já podíamos ter realizado isso há muito tempo. Tenho notícias que um novo plano diretor está sendo formulado para a região, o que é uma oportunidade para isso. A questão é que dá para conciliar todas as atividades da região. A agricultura com a pecuária, inclusive com a mineração. Nós temos rocha calcária e elas têm uma função importante na sociedade. Também existe na região depósito de rochas fosfáticas que são usadas pra fertilizantes e que permitem aumentar a produção agrícola com menor área de desmatamento. É um depósito que precisa ser pesquisado e ter uma proposta para a utilização. Ou seja os depósitos que existem na região são fundamentais para a nossa sociedade porque permitem aumentar a produtividade de alimentos e a sociedade precisa se alimentar. É um tipo de jazida e minério que tem de ser lavrado com os cuidados ambientais que hoje a tecnologia permite.
FIB – Você já havia participado do fib em um debate sobre o geopark bodoquena pantanal.
PB – Sim. Em uma mesa redonda sobre a discussão do Geopark Bodoquena Pantanal que se encontra em processo de implementação na região. O Geopark nada mais é do que conciliar todos estes aspectos da geologia, da fauna, da flora e os aspectos culturais. O festival permite conciliar todos os interesses para retomar estas discussões.
FIB – Qual a sua expectativa para a mesa redonda que irá participar este ano no festival?
PB – Estou muito interessado e pensando na minha participação na mesa redonda junto com o coordenador da Casa do Cariri, da Fundação Casa Grande, que é uma referência dos aspectos culturais da região (do Ceará) e que tem o Geopark Araripe, que já integra a rede mundial de Geopark pela importância geológica e paleontológica da região. A Fundação Casa Grande teve uma participação fundamental no aceite de Araripe na rede mundial de Geoparks. Tenho muito interesse porque eu quero saber como eles estão conciliando e incentivando ainda mais a integração com o próprio Geopark Araripe, uma experiência muito importante para nós da Serra da Bodoquena quando se encontra a formulação do Geopark Pantanal.
FIB – O que representa para você ser homenageado pelo festival este ano?
PB – Recebi com muita satisfação a notícia de que serei homenageado nesta edição de 2016 no Festival de Inverno de Bonito juntamente com uma grande pessoa, que infelizmente nos deixou, que é o Geraldo Roca, o que enaltece ainda mais e para mim é uma honra receber esta homenagem junto com o Geraldo. Mas entendo que está homenagem não é a minha pessoa. Esta homenagem é a todos que se dedicaram a região de Bonito. Eu não fiz sozinho. O curso de bonito teve a participação de várias outras pessoas e a participação dos guias no sucesso do turismo de Bonito é inquestionável. Temos que ter em mente também que a parte do empreendedorismo, a iniciativa dos empresários, foi fundamental. Na organização deste empreendedorismo não há dúvida de que a proposta do vaucher único, que foi formulada pelo proprietário do restaurante Tapera, foi fundamental e é um exemplo hoje a ser seguido em outras regiões do Brasil. Eu gostaria de estender esta homenagem que recebo em 2016 do Festival de Inverno de Bonito a todos os guias de Bonito. Eu quero que cada um deles se sinta homenageado também. Porque o sucesso do turismo de Bonito em grande parte se deve ao trabalho deles. E a eles que gostaria de dedicar esta premiação. (Rodrigo Teixeira/assessoria FIB)