Em 23 anos de mandato (vereador e deputado estadual), José Almi Pereira Moura, o Cabo Almi, pertence a um único partido: o PT. Ele está entre as lideranças políticas mais populares de Campo Grande, uma condição que construiu mediante a soma de muito esforço, caráter e capacidade, predicados cultivados dentro de uma humilde família de lavradores de Jardim Olinda, no Paraná, aonde nasceu em 17 de dezembro
de 1962.
Almi tinha só um ano de idade quando a família mudou-se para Lagoa Bonita, um distrito de Deodápolis, em Mato Grosso do Sul. Aos 20 anos o filho de lavradores rumou para Campo Grande em busca de seus sonhos. Cobrador de ônibus, vendedor, empacotador e torneiro mecânico foram experiências profissionais antes de passar no concurso para os quadros da Polícia Militar.
Formou família e tornou-se um dos mais atuantes porta-vozes das reivindicações dos policiais. O movimento se consolidou e deu frutos, como a criação do Grêmio 8 de Abril, que presidiu por seis anos. Sua liderança estava consolidada. A política o chamou e em 1996 se elegeu vereador. Após três mandatos na Câmara, conquistou uma vaga de deputado estadual nas eleições de 2010.
Em seu terceiro mandato estadual, Almi conclui ter escolhido o programa mais acertado para defender posições como a de nunca ter votado contra os interesses dos trabalhadores, qualquer que seja o governante. Nesta entrevista exclusiva à FOLHA, ele analisa o trabalho legislativo e outros impactos da pandemia do Covid-19, aponta intervenções vitoriosas do mandato, projeta os rumos do PT, critica o governo Bolsonaro e destaca a flexibilização da cota zero de pescado.
FOLHA DE CAMPO GRANDE – Quais os prejuízos específicos e gerais que a pandemia causou na atividade legislativa?
CABO ALMI – A leitura que eu faço é que quanto ao projeto não houve prejuízo. O prejuízo maior é que nós ficamos sem o pequeno expediente, as indicações, requerimentos, moções. Ficamos sem a sessão solene, sem as audiências públicas, sem o grande expediente, o debate, o uso da tribuna. Ficamos reféns de um sistema, com zoom né?! Um sistema em que o deputado praticamente já entra direto na votação dos projetos. É por isso que os projetos não foram prejudicados. Agora o debate pra melhorar a ideia, pra apresentar conteúdo, pra derrubar ou aprovar propostas, isso foi prejudicado. As audiências públicas e solenidades, por exemplo, não conseguimos fazer nenhuma e com isso nossos mandatos diminuem no tocante ao debate. A Assembleia Legislativa perdeu uma de suas funções, já que é a grande caixa de ressonância da população, é onde a cidadania se assenta, a sociedade expõe seus desejos e suas
insatisfações. Infelizmente, a casa está provisoriamente fechada para a população.
FCG – O que muda para as pessoas durante e depois da pandemia?
CA – Estamos aguardando o reflexo da crise econômica em seu auge no desemprego, no desabastecimento. Eu creio que ela não chegou ainda, está por vir. Então, eu acredito que sem ajuda do poder público, dificilmente vamos conseguir sair dessa crise. Vamos continuar a luta. Mas a realidade do pós-pandemia será outra, na cultura, no comportamento e na expectativa das pessoas.
FCG – O que deve ser feito pelo poder público para que as pessoas aumentem a taxa de adesão ao isolamento social?
CA – Quem está prejudicando o isolamento, a quarentena, é o próprio presidente da República. O país está dividido. Tem um lado que apoia o presidente, prefere ser contaminado, prefere morrer, mas em nome de uma idolatria. E tem outro lado, com o entendimento de seguir a Ciência, de ouvir a Organização Mundial da Saúde, estudiosos da saúde. E esse lado está se cuidando. Por exemplo, o Mato Grosso do Sul, Campo Grande. Aqui, o governador e o prefeito Marcos Trad têm dado apoio do ponto de vista de que as pessoas permaneçam no isolamento. Mas vem uma voz lá de cima ironizando, dizendo que isso é uma gripezinha, que muita gente vai morrer. Isso interfere, influencia negativamente no comportamento de pessoas que seguem cegamente essa voz e acabam
agravando mais os impactos da pandemia.
FCG – O senhor é carimbado pelo foco na segurança pública. Quais as conquistas diferenciadas que o seu mandato assegurou em benefício da sociedade?
CA – Desde a época em que eu fui vereador atuo na área da segurança. Eu ajudei a criar a Guarda Municipal em Campo Grande, a lei seca. E agora fiz o grande debate sobre a segurança nas fronteiras, que, infelizmente, sofre com a interrupção de repasses de recursos pelo governo Bolsonaro. Mas nós chegamos a trazer senadores da república aqui, fizemos grandes audiências. Creio estar contribuído muito nessa área, além do trabalho diuturno que eu realizo. Tenho um mandato que ouve, que dialoga, que procura e que acompanha e dá retorno à população. São 23 anos de mandato como vereador e deputado e nunca votei contra os trabalhadores. A bandeira ideológica que carrego me
permite isso.
FG – O PT vai entrar com Pedro Kemp na disputa sucessória. Foi uma decisão acertada ou seria melhor o partido optar por uma aliança na disputa majoritária?
CA- Foi uma decisão acertada. Todo partido que sonha em crescer um dia, ele tem que ter candidato majoritário, executivo. Se viver sempre refém, ou barriga de aluguel de partidos grandes, não vai crescer nunca, será sempre sombra de outros partidos. O fato de lançar Pedro Kemp vai garantir ao PT, no mínimo, fazer um, dois ou três vereadores
e preparar o partido para as eleições de 2022. Eu vejo o PT chegando muito forte de novo em 2022, elegendo vários governadores, senadores, deputados federais e com a grande chance de disputar a presidência. Se o Bolsonaro continuar errando desse jeito, não vejo outro partido para se contrapor a esse projeto neoliberal que não seja o PT. O MDB não se equilibra desde a época do governo Temer. O PSDB não avança, perdeu o
passo com a candidatura do desastre chamado Aécio Neves. E o PT que tanto sangraram, tanto demonizaram, continua forte, atuante, tem um programa identificado com as grandes massas, tem sólida base social. Eu vejo que as próximas eleições municipais irão revigorar mais o PT.
FCG – O seu nome sempre está entre as opções do partido para a disputa sucessória. Mas não acontece. É uma decisão sua a de não reivindicar esta indicação?
CA – Eu tive uns probleminhas de saúde e achei por bem não entrar de novo. Inclusive, se eu coloco o meu nome agora, eu acredito até que seria melhor pontuado nas pesquisas e teria um percentual de votos maior do que o Pedro Kemp. Mas por questões mesmo de saúde eu decidi não entrar na disputa agora. Quem sabe um dia ainda, se for possível ou não. Se não, vamos terminar a nossa carreira política no legislativo mesmo. Deus é quem sabe o que tem preparado pra gente no futuro.
FCG – Qual sua avaliação sobre o governo estadual?
CA – Hoje, eu destaco a seguinte situação: o mérito do governo do Estado é o de pagar em dia os salários do funcionalismo público.
FCG – Quais os pontos fortes e pontos fracos do governo municipal em Campo Grande?
CA – Vejo que o Marquinhos é diferente do (ex-prefeito) Alcides Bernal. É melhor que o Bernal, que o Nelsinho. Ele tem acertado bastante em algumas obras, como as da Norte Sul, da 14 de Julho, paga em dia. E acertou agora nessa pandemia. É um fortíssimo candidato à reeleição. A concorrência terá que organizar uma frente. Não vou falar só o PT, mas os demais partidos. É necessário ter candidaturas alternativas, ouras opções na disputa para levar as eleições para o segundo turno. Caso contrário, se polarizar e ir pra uma força ou outra, dificilmente nós teremos segundo turno nas eleições.
FCG – O senhor é da opinião que cabe neste momento um processo de impeachment do presidente Bolsonaro?
CA- Desde que o Jair Bolsonaro se elegeu eu tenho um sentimento que ele não termina esse primeiro mandato. Agora, o impeachment é solicitado no momento em que o povo está sofrendo com a pandemia do Coronavírus. Acho que iríamos arruinar de uma vez a condição da nação brasileira no aspecto econômico, no desemprego. O impeachment está na fôrma, está esquentando. O presidente já se indispôs com o Supremo Tribunal Federal, com a Polícia Federal, com o Senado, com a OAB. É um presidente solitário.
FCG – No equilíbrio de interesses entre preservação e subsistência, como ficou a questão da cota zero de pescado, que é uma de suas lutas?
CA – Sim, uma de minhas principais lutas é pela sustentabilidade humana e ambiental. O homem precisa da natureza e vice-versa. Um não precisa destruir o outro, podem viver em harmonia. Há recursos renováveis no meio ambiente que podem ser usufruídos pelo homem, desde que seja em processos racionais, conscientes. A pesca ainda é um desses recursos, embora em escala bastante reduzida. A primeira palavra é preservar, é proteger os estoques. Mas há uma condição restrita: a sobrevivência de quem depende do pescado para viver, para comer. O decreto da cota zero (o nº 13666) precisava considerar que há regiões nas quais ainda, ainda, é possível flexibilizar. Com entendimentos, esforços, audiências públicas, conseguimos garantir o limite de um exemplar e mais cinco piranhas por pescador, para consumo em sua casa. Porém, é preciso que o poder público assegure outras opções de renda, de emprego e mesmo de manutenção básica dos ribeirinhos.