O sorriso e as palavras da secretária de Educação de MS, Maria Cecilia Amendola da Motta, têm absoluta procedência. Ela é uma das personagens mais preparadas do Estado, notadamente dentro da complexa matéria do conhecimento. Seu currículo no ensino público está entre os mais sortidos. Ao longo de uma vida dedicada à educação, acumula graduações técnicas e profissionais, investiduras e tarefas confiadas a diferentes órgãos públicos e entidades locais e nacionais do setor. Maria Cecilia é graduada em Pedagogia (Administração e Supervisão) e Ciências Biológicas, mestra em Educação e em Políticas Públicas para a Infância, com especialização em Didática do Ensino Superior, Ecologia e Gestão de Cidades, foi secretária municipal em Campo Grande (2005-12) e presidente em dois mandatos do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação (Consed), colegiado que é parâmetro para as políticas públicas. Na secretaria de Educação, ela comanda um dos processos mais revolucionários da história do ensino público no Estado. Essa experiência tem sido determinante para conduzir a Pasta na quadra mais difícil e complicada que o país e a sociedade vivem por causa da pandemia. Nesta entrevista exclusiva à FOLHA DE CAMPO GRANDE, Cecilia Motta fala sobre os desafios do ano letivo 2022 e dos anos vindouros, onde ela julga haver muito a fazer pelos alunos.
FOLHA DE CAMPO GRANDE – Qual o sentimento hoje, no dia em que o ano letivo começou com 100% presencial depois de 2 anos de pandemia?
CECÍLIA MOTTA – Euforia, emoção. Hoje mesmo estive em três escolas e pude ver a alegria dos alunos, professores, administrativos, de todos. O retorno às aulas presenciais assegura, além das intervenções qualificadas para o desenvolvimento das habilidades leitora e escritora dos alunos, o fortalecimento de vínculos, das relações estabelecidas entre todos que convivem nos espaços escolares. A escola é o lugar em que a vida pulsa, onde sonhos são gestados e as situações cotidianas compartilhadas. Observar a alegria dos alunos expressa nas falas e comportamentos, bem como na expectativa positiva dos profissionais da educação, reacende a esperança da chegada de tempos melhores.
CM – O início de um novo ano escolar é sempre cercado de desafios. Conhecer os estudantes, entender suas realidades, suas dificuldades e facilidades, como aprendem, interagem… São muitos os pontos de atenção dos educadores para garantir que nenhum aluno ficará para trás ao longo do percurso. Entretanto, para além dos desafios já conhecidos pelos profissionais da educação, somam-se a eles novos obstáculos que precisarão ser superados devido aos últimos anos com a interrupção da rotina presencial escolar por conta da pandemia.
FCG – Qual o papel da escola depois deste período de interrupção?
CM – Os alunos tiveram sua rotina interrompida abruptamente. Muitos perderam familiares, viveram o impacto financeiro com a perda de renda dos pais, deixaram de conviver com amigos e nem sempre puderam ter o suporte que precisavam para aprender em casa. A escola é o lugar deles, o refúgio. Essa diversidade exige que os professores tenham mais materiais, os planos de aula devem prever mais situações. O tempo afastado da escola deixou os alunos com a sensação de que a rotina é dispensável. Em se tratando de estudos, ela é fundamental, agora mais do que em qualquer tempo. A parceria com a família passa a ser ainda mais fundamental porque a ruptura ocasionada pela pandemia vai surtir efeito por pelo menos 3 anos letivos. Somado a tudo isso, existia a falta de maturidade no uso das tecnologias. Elas têm sido a tábua de salvação nos últimos anos e, a partir de agora, farão parte das salas de aula. A escola terá que encontrar um equilíbrio para o uso saudável do celular, por exemplo, durante as aulas presenciais.
FCG – Déficit de aprendizagem deve ser o ponto mais preocupante na volta às aulas?
CM – Dentro de uma turma existem muitas realidades. Cada aluno é um, o contexto social varia, a estrutura familiar, o acesso aos materiais e à informação são distintos. Essa retomada tem que ter foco na proficiência dos alunos, buscando sempre a equidade. Com a interrupção das aulas por causa da emergência sanitária, aqui no MS os professores continuam se reinventando. Nesse período, eles tiveram que refazer todas as aulas, passar novos exercícios, escrever apostilas, gravar vídeos com os conteúdos das disciplinas, criar canais próprios em redes sociais, mudar avaliações, fazer busca ativa de alunos e se aproximar das famílias dos estudantes. O suporte da mudança foi a internet, mas o episódio não se restringiu a uma revolução digital. A Secretaria de Educação trabalhou para que houvesse uma transformação comportamental dos professores para não perder a conexão com os alunos e manter a aprendizagem.
FCG – Como a senhora avalia o novo ensino médio?
CM – Sou totalmente favorável a essas mudanças. Tenho dados que comprovam que os alunos pioraram em proficiência nos últimos 20 anos. Português e matemática serão os dois únicos componentes curriculares obrigatórios nas áreas de ensino. E os alunos poderão escolher as disciplinas que irão cursar de acordo com seus objetivos de formação. Dentre as 1000 mil horas totais, 600 serão dedicadas ao conteúdo obrigatório definido pela Base Nacional Comum Curricular, que deve incluir todas as matérias. No restante, 400 horas da carga horária, os alunos poderão escolher as disciplinas de acordo com as áreas de ensino que pretendem seguir: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas. O principal protagonista nesse modelo é o aluno, o estudante. Ele vai fazer sua trilha. Aí não são obrigatórias todas as matérias, ele segue por área e não mais por disciplina. Saem as lições expositivas e entra o método de pesquisa, onde cada aluno avança de acordo com a sua velocidade de aprendizado. Os alunos vão partir de problemas para buscar soluções nos livros didáticos e demais materiais de estudo. Cada escola também vai desenvolver práticas e orientações de estudo de acordo com a demanda e as necessidades locais.
FCG – Qual ponto a senhora destaca nesses anos à frente da Secretaria de Educação?
CM – A evasão escolar e a repetência, que ficou mais escancarada na pandemia, desde 2015 estamos cumprindo com o que o governador Reinaldo Azambuja nos colocou. Queremos aumentar Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), terminar com evasão e repetência, fazer com que o aluno possa aprender. Com ele aprendendo, a sociedade cresce. Com a repetência em 2014 o estado perdeu R$ 500 milhões investidos na educação, contando que 34,14% dos alunos reprovaram. Em 2021 foram R$ 286 milhões desperdiçados, com a reprovação alcançando 11,59%. Ainda o número é alto, mas estamos no caminho certo.
FCG – O nome da senhora vem aparecendo nas últimas pesquisas eleitorais com bons índices. A vida na política desperta algum interesse?
CM – Tenho 50 anos de serviços prestados à educação. Sou da sala de aula. Quando não estive ensinando, foi porque que vim para assumir a pasta no Executivo. Sei que é o legislativo que faz as leis, acho que posso contribuir muito na minha área por conta da experiência acumulada. Contudo, vale ressaltar que uma candidatura à deputada estadual implica em um projeto de grupo. Sou do grupo Reinaldo Azambuja. Se for merecedora de representar a educação como candidata, vou honrar. Acho que poderia ajudar muito a Educação no Parlamento. Mas entendo que se esse não for o caminho, estarei tranquila, com o sentimento de dever cumprido. Principalmente agora, com a Teia da Educação, onde conseguimos colocar família, escola e sociedade preocupados com o ensino. Fizemos muito e ainda há campo para melhorar.