Quando é desbaratada e presa uma quadrilha assim tipificada pelos órgãos responsáveis – no caso, o Ministério Público Federal (MPF) e a força-tarefa da Operação “Lama Asfáltica”, que mobilizou agentes da Polícia Federal, Controladoria-Geral da União e Receita Federal – e alguns de seus integrantes ganham um habeas corpus (HC) depois de algum tempo na cela, os cúmplices que permanecem na cadeia se revoltam. Alguns seguram a onda e se mantêm calados; outros, porém, se recusam a passar por bodes expiatórios, acham que foram largados à própria sorte ou que são vítimas de injustiça. E na ânsia de voltarem às ruas ou cumprirem as penas em casa, decidem contar tudo o que sabem em troca de benefícios que aliviem o peso de contar os dias e anos na folhinha pendurada na parede de um cárcere.
A delação premiada, que vem refrescando as sentenças e a vida dos grandes gatunos de gravata do País, como os empresários e doleiros encurralados pela Operação Lava Jato, pode estar na conta de Edson Giroto, um dos principais alvos da Operação “Lama Asfáltica”, concebida para desmontar um esquema de desvio de verbas públicas do Estado, sob os auspícios do governador emedebista André Puccinelli em seus dois mandatos, de 2007 a 2014. Ex-secretário estadual de Obras, ex-deputado federal e ex-candidato a prefeito de Campo Grande, investiduras que Puccinelli patrocinou, Giroto anda ressabiado.
“PREÇO MUITO CARO”
Preso desde maio de 2018, na semana passada ele começou a assistir parte de seus amigos e cúmplices do esquema beneficiados por habeas corpus impetrados pela defesa e atendidos na Justiça Federal. Contudo, mesmo acionando recursos semelhantes Giroto não obteve sucesso e permanece recolhido numa cela do Centro de Triagem Anísio Lima. Com isso, a revolta e a indignação desabaram com força sobre a cabeça e os ombros cansados de Giroto. “Estou pagando um preço muito caro”, desabafou em entrevista que, segundo a imprensa avaliou, foi um pano de fundo para insinuar que a delação premiada passou a ser cogitada por quem vai perdendo as esperanças de ficar livre em curto prazo.
Além de Giroto, só continuava preso até o fechamento desta edição, na quinta-feira, 30, o seu cunhado, o engenheiro Flávio Henrique Garcia Scrocchio. Por decisão da 3ª Vara Federal já haviam sido liberados ou tiveram afrouxamento das sentenças restritivas de liberdade, como a revogação de prisão domiciliar, o empreiteiro João Amorim e uma de suas filhas; o ex-prefeito de Paranaíba, ex-deputado estadual e ex-diretor da Agência de Empreendimentos do Estado (Agesul), Wilson Roberto Beto Mariano de Oliveira, sua filha, a médica Mariane de Oliveira Dornellas e sua esposa, Maria Helena Miranda de Oliveira, seu genro, o arquiteto João Pedro Dornellas; e o servidor do Estado, João Afif Jorge.
LAVAGEM
Uma das interpelações mais recentes da PF a Giroto é saber qual o destino dado ao sumiço ou a ocultação de R$ 4 milhões 385 mil na compra da Fazenda Maravilha. A aquisição, de acordo com as investigações, seria uma das artimanhas empregadas pelo esquema para “lavar” o dinheiro e encobrir os lucros obtidos com as transações ilícitas. Para Giroto, sua permanência na cadeia se deve ao “sistema podre” da política do País, à qual atribui também o envolvimento de seu nome. Ele garante que jamais desviou recursos e admite que pediu doações legais de campanha, conforme prevê a lei.
Após repetir o mantra de que é ilegal e contra a Constituição permanecer preso numa cela sem ter sentença transitada em julgado em condenação de segunda instância, Giroto protestou contra a punição que sofreu: nove anos e 10 meses de cadeia por ter, segundo a Justiça, ocultado um negócio que envolveu R$ 7,3 milhões na compra da Fazenda Encantado do Rio Verde. Em uma cela com outros 31 presos e sem ventilação adequada, Giroto faz o repto a quem quer checar suas palavras de inocência: “Podem perguntar a todos os empreiteiros: eu nunca pedi nada”.
Uma ponta de esperança acariciada por Giroto está no despacho do TRF-3, que admitiu recurso ordinário constitucional em relação ao seu pedido de HC. No STJ já tramita outro pedido em favor de Giroto, o RHC (Recurso Ordinário em Habeas Corpus) 111497, com pedido de liminar negado. Ele está concluso à relatora, com parecer desde a última semana, e deverá ir a julgamento pela 6ª turma. Ele e os outros seis réus deste processo foram presos em nove de março do ano passado. O Tribunal, 10 dias depois, substituiu a custódia por medidas cautelares.
Se Giroto não conseguir o HC agora e pressentir que está sujeito a continuar no xilindró por tempo determinado, a delação premiada poderá ser a sua última chance de pelo menos ficar em casa em prisão domiciliar. E se um arquivo vivo e recheado como é Edson Giroto contar o que sabe, o sono de muita gente será abalado por angustiantes pesadelos. Como se sabe, além das pessoas que estão elencadas neste processo, a Lama Asfáltica produziu outros desdobramentos, fazendo com que mais gente engravatada e elegante acabasse enquadrada na série de crimes tipificados pela força-tarefa.
Além de Puccinelli – que está em liberdade e é apontado pela PF como chefe da organização criminosa -, de Giroto e Amorim, o grupo tem ainda outras nobres figuras carimbadas pelo envolvimento em operações fraudulentas, entre as quais o ex-secretário estadual de Fazenda, André Cance Jr; o comerciante Mirched Jafar Jr, dono da Gráfica e Editora Alvorada; e o multiempresário João Baird, que ficou conhecido como o “Rei Midas” da informática, ramo em que se especializou ao dominar a rede de contratos de prestação de serviços ao poder público.