“Não foi um crime racial”. “Não existe racismo no Brasil”. “O racismo aqui é coisa muito rara”. “O racismo começa quando criam um dia para lembrar que o negro é diferente do branco”. “Na mesma hora que morreu essa pessoa preta, morreu uma mulher branca. Mas quem se importa se mulher branca morrer se ao mesmo tempo morreu uma pessoa negra?”. “Para cada branco que ataca um negro, 54 negros atacam brancos, conforme estatísticas da polícia americana. E no Brasil, será que é diferente?”.
Estas e outras frases – várias muito mais mórbidas – vêm sendo proferidas, sobretudo nas redes sociais, por brasileiros e brasileiras de todas as partes, classes socioeconômicas e credos diversos como argumentos para tirar do rol dos crimes raciais o assassinato de um homem por seguranças de uma unidade da rede Carrefour, em Porto Alegre (RS). João Alberto Silveira Freitas, um homem negro de 40 anos, foi espancado e asfixiado até a morte por dois homens brancos – e isso na quinta-feira (19), véspera do Dia Nacional da Consciência Negra.
E é ainda mais chocante constatar que muitas pessoas, de maneira consciente ou não, praticam o racismo, umas dizendo que não são racistas, outras por entender que no País não existe racismo. Nunca será demais repetir que o racismo não acontece apenas quando um negro é ofendido verbalmente. O racismo, nas palavras da autora Djamila Ribeiro, em ‘Pequeno Manual Antirracista’, de 2019, é “um sistema de opressão que nega direitos, e não um simples ato da vontade de um indivíduo”.
Um dos direitos subtraídos por esse sistema é o direito à vida. Foi o que ocorreu com João Alberto no Carrefour gaúcho. A legião negacionista procura desclassificar o ato fazendo da vítima o culpado, ao empunhar a ficha policial do morto com várias passagens, como se isso justificasse a excessiva e desnecessária violência empregada pelos seguranças, um deles da Polícia Militar.
O laudo pericial realizado pela polícia de Porto Alegre confirmou que João foi morto por asfixia. O caso é semelhante ao do negro americano George Floyd, assassinado em julho, em Minnesota, depois que um policial branco permaneceu mais de nove minutos com o joelho sobre seu pescoço. Na ocasião, que também foi filmada, Floyd repetiu por mais de 20 vezes a frase: “I can’t breath (Eu não consigo respirar)”.
O presidente Jair Bolsonaro simplesmente ignorou o covarde assassinato e ainda chamou de “lixo” quem prega o ódio. Tão desastrosa quanto infeliz foi a declaração do vice-presidente, o general Hamilton Mourão. Para ele, não há racismo no Brasil: “Isso é uma coisa que querem importar aqui para o Brasil. Isso não existe aqui. Eu digo para você com toda a tranquilidade: não tem racismo aqui. Eu morei nos Estados Unidos. Racismo tem lá. Na escola em que eu morei lá, o pessoal de cor andava separado”.