O Brasil acordou na terça-feira, 14, com a imprensa destacando em suas principais notícias a pauta da política vinculada à editoria policial, tendo como cenário proeminentes figuras da vida pública e dos meios empresariais de Mato Grosso do Sul. Nas manchetes, a quinta fase da Operação Lama Asfáltica, batizada Papiros de Lama, pela qual uma força-tarefa com 300 policiais e servidores da Polícia Federal, Receita Federal e Controladoria-Geral da União cumpriram dois mandados de prisão preventiva, dois de prisão temporária, seis de condução coercitiva, 24 de busca e apreensão, além do sequestro de valores nas contas bancárias de pessoas físicas e empresas investigadas.
A ação, que abrangeu as cidades de Campo Grande, Nioaque e Aquidauana, em Mato Grosso do Sul, e São Paulo (SP), teve como objetivo uma organização criminosa que há vários anos operava em diversas formas para desviar dinheiro dos cofres públicos. O alvo principal: o ex-governador André Puccinelli, presidente estadual do PMDB, tido pela PF como chefe de um esquema que desviou fortuna ainda não calculada com total precisão, embora o montante estimado só no âmbito dessa operação gire em torno dos R$ 240 milhões.
Não foi esta a primeira vez que Puccinelli viveu o constrangimento de ser alvo de batidas policiais, andar em camburão e ser ouvido pela Federal. Numa das fases anteriores da Lama Asfáltica chegou a ser obrigado a usar tornozeleira como medida preventiva da Polícia. Desta vez, ele e seu filho, o advogado André Puccinelli Jr, passaram a noite na cadeia, mas foram soltos no dia seguinte graças a um habeas corpus concedido pelo desembargador Paulo Fontes, do Tribunal Regional Federal (TRF-3) e impetrado por Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, defensor de acusados na Operação Lava Jato, entre os quais o presidente Michel Temer e o doleiro Lúcio Funaro, operador de propinas do ex-deputado federal Eduardo Cunha, que cumpre prisão em Curitiba.
NO CÁRCERE
Puccinelli e seu filho passaram 33 horas encarcerados na cela 17 do Centro de Triagem de Campo Grande, com outros 18 detentos. Foram soltos, mas tiveram seus passaportes retidos, não podem se ausentar da cidade mais de 15 dias e estão obrigados a comparecer em juízo regularmente e a Justiça Federal decretou o sequestro de R$ 160 milhões do ex-governador e outros integrantes da organização. A medida atinge bens móveis e imóveis do peemedebista e de aliados dele, inclusive do próprio filho, o advogado André Puccinelli Júnior.
Uma coincidência: a cela 17 é a mesma na qual, em fase anterior da Lama Asfáltica, ficou trancafiado Edson Giroto, ex-deputado federal e ex-secretário de Infraestrutura de Puccinelli e um de seus mais próximos homens de confiança na política e nos negócios. Em 2012, por exemplo, depois de ter investido para fazer de Giroto deputado federal, Puccinelli tentou elegê-lo prefeito. Forçou seu partido, o PMDB, a apoiar a candidatura de Giroto, que era do PR. O projeto, apesar da pompa e da campanha espetaculosa, fracassou: Giroto foi derrotado no segundo turno pelo radialista Alcides Bernal (PP).
Além da preventiva de Puccinelli e do filho, a força-tarefa efetuou as prisões temporárias de João Paulo Calves e Jodascil Gonçalves Lopes e cumpriu seis mandados de condução coercitiva de outras pessoas acusadas de operar no esquema, entre as quais o ex-secretário estadual de Fazenda, André Luiz Cance; o empreiteiro João Amorim; e os empresários João Baird, dono de diversos negócios, e Mirched Jaffar Jr, proprietário da Gráfica e Editora Alvorada. Edson Giroto pertence ao staff desde que Puccinelli foi prefeito de Campo Grande, de 1997 a 2004. E continuou como seu homem-forte, e já com os demais investigados e denunciados pelo Ministério Público, nos oito anos em que Puccinelli governou o estado (de 2007 a 2014).
DELAÇÃO E PROVAS
A Operação Papiros de Lama foi desencadeada com base em provas colhidas durante as investigações e na delação premiada do empresário e pecuarista Ivanildo da Cunha Miranda, considerado pela PF um dos operadores de maior mobilidade dentro da estrutura de corrupção que tinha Puccinelli como líder e principal beneficiário. Protagonista de um crescimento patrimonial miraculoso, o ex-bancário Ivanildo Miranda atuou em vários governos. Mas ele mesmo revelou ter sido Puccinelli quem o convidou para ser seu colaborador.
Conforme a PF, o esquema desviou verbas públicas de várias formas: fraudando e direcionando licitações, superfaturando obras, fazendo aquisições fictícias ou ilícitas de imóveis e outros produtos, financiando negócios privados sem vínculo com atividades estatais, concedendo créditos tributários em sistemas que serviam como propinodutos e corrompendo agentes públicos, além de abastecer campanhas eleitorais.
Todo montante desviado passava por processos de ocultação de origem, configurando crime de lavagem de dinheiro, segundo foi apurado em análises técnicas e periciais das peças apreendidas nas várias fases da Lama Asfáltica. Até a compra de livros jurídicos foi utilizada pela organização para esquentar as operações de desvio, motivo que inspirou a PF a batizar a operação de Papiros de Lama. Um dos autores de obras comercializadas é o advogado André Puccinelli Jr.