* Por Geraldo Silva
Tarefa das mais desafiadoras para os políticos, a defesa do consumidor impõe bem mais que o compromisso com uma das partes das relações de consumo. É necessário ter domínio de questões técnicas e legais e dimensionar com propriedade os impactos sociais, econômicos, políticos e culturais que serão produzidos com decisões que resultem de sua intervenção direta. O desafio, no entanto, não trouxe nenhuma dor de cabeça para Epaminondas Vicente da Silva Neto, ou Papy, como é conhecido o atual vereador do Solidariedade.
Em outubro do ano passado, Papy teve 4.152 votos e conquistou seu primeiro mandato político, na esteira de um trabalho persistente e fortalecido por acúmulos de precoce protagonismo – afinal, com apenas 30 anos, casado, uma filha, atua com destaque nas agendas inclusivas.
Foi gestor na Fundação Estadual do Trabalho (Funtrab) e tem um amplo conhecimento em políticas públicas de emprego e renda. Membro da Mesa Diretora (é 3º secretário da Câmara Municipal), Papy preside a Comissão Permanente de Defesa do Consumidor, que garantiu aos campo-grandenses um novo e resolutivo debate sobre a cobrança da Cosip (Contribuição sobre o Serviço de Iluminação Pública), tema da audiência pública do dia 23 de junho passado. Apesar de sofrer o efeito de uma decisão da Justiça, a cobrança trouxe ao consumidor a certeza de que a Câmara cumpre seu papel e está pronta para combater abusos tarifários, como bem enfatizou Papy.
Nesta entrevista exclusiva à Folha de Campo Grande, o vereador fala sobre direitos do consumidor, demandas gerais e segmentadas da sociedade, o desempenho do prefeito Marquinhos Trad e de que forma os parlamentares enfrentam eventuais desgastes com as operações de combate à corrupção no país.
FOLHA DE CAMPO GRANDE – Qual o resultado da audiência pública sobre a cobrança da taxa de iluminação pública, a Cosip?
PAPY – Um resultado excelente, um resultado que uma audiência deve ter mesmo. A representatividade dos órgãos participantes – como o Ministério Público, a Energisa, Prefeitura, vereadores, Procon e o movimento comunitário – engrandeceu a audiência e fez com que essa iniciativa alcançasse os seus objetivos.
FCG – Ao manter a cobrança e em caráter retroativo a Justiça foi insensível aos direitos do consumidor e à sua capacidade contributiva?
PAPY – Não vejo dessa forma. A decisão do tribunal é de mérito e muito coerente. Há uma regra implícita: toda vez que se julga uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) e o tribunal acolhe, então a lei recorrida deixa de existir, passa a ser vista como uma lei nula. Anulada a lei, seus efeitos são anulados. Essa decisão causa o chamado efeito ex tunc [em latim, desde então], tornando os efeitos da lei retroativos. O tribunal cumpriu sua obrigação e por isso não creio ter havido tendenciosidade ou insensibilidade. Quando o próprio tribunal admite o recurso já de pronto e dá o efeito suspensivo no recurso do MP, demonstra estar atento ao debate proposto pela Câmara e, portanto, sensível aos interesses dos consumidores.
FCG – A Cosip é absolutamente necessária?
PAPY – A Cosip é necessária e constitucional, desde que toda receita apurada seja devolvida à população com investimentos na melhoria do sistema. É isso que espera quem contribui com qualquer imposto: municipal, estadual ou federal. O que o contribuinte investe com seus tributos deve ser devolvido com serviços essenciais de qualidade. E iluminação pública é essencial. Pagamos e vamos pagar com alegria se tivermos um serviço satisfatório.
FCG – Para o senhor, presidente da Comissão Permanente do Consumidor, os mecanismos de controle social da cidade não funcionam a contento?
PAPY – Eu entendo que funcionam. A lei consumerista é uma das mais efetivas do Brasil, repercute até fora do país por ser uma lei muito equilibrada. O Procon faz um trabalho bem interessante. Temos ainda a delegacia do consumidor, uma comissão na OAB, uma na procuradoria, na promotoria, na defensoria pública, agora o Procon Municipal e na Câmara Municipal. Os órgãos de controle estão bem posicionados. Mas há situações em que o consumidor não entende bem o seu direito e os conflitos sempre vão existir, bem como os órgãos para manter esse controle, sobretudo quando se trata do Estado. As instituições têm funcionado nesse sentido, tanto que o município, na pessoa do prefeito Marquinhos Trad, foi à audiência, debateu, argumentou. A Procuradoria Municipal, o Ministério Público, a Câmara, todos estavam representados ali, debatendo as questões relacionadas ao direito do consumidor.
FCG – O impasse com a Cosip causou uma disputa entre Legislativo e Executivo, com o Judiciário no meio e a população atenta. Esse processo pode acender o interesse dos consumidores por outras demandas tarifárias, como as do transporte coletivo e dos impostos municipais?
PAPY – A Comissão de Defesa do Consumidor está posicionada na defesa do consumidor de qualquer natureza. Estamos preparados para os embates naquilo em que o consumidor for onerado, seja taxa de iluminação pública, tarifa de ônibus, de água, esgoto e todos os serviços pelos quais se paga muito caro. Toda carga tributária é alvo do trabalho da comissão. Quanto à disputa entre Legislativo e Executivo, trabalhamos de forma conjunta. O Legislativo propôs o debate e o Executivo fez sua parte, pondo em prática aquilo que seria debatido em busca de uma conclusão. A população acompanhou, atenta. Tinha gente que nem imaginava quanto se cobrava ou quanto era a Cosip, pegou a sua conta, começou a olhar mais de perto, a fazer o cálculo, reivindicar uma iluminação de qualidade no seu bairro, na sua rua. Esta é a proposta da Comissão, com as iniciativas do vereador de propor o debate e fiscalizar o poder público. Quando as instituições cumprem suas prerrogativas constitucionais não há que se falar em disputa. Se trabalham em conformidade com a lei o ganhador é o município, é o contribuinte.
FCG – O prefeito Marquinhos Trad completou seis meses de governo. Qual a nota ou a avaliação que o senhor dá a esta administração?
PAPY – Uma nota positiva. Ele herdou dificuldades produzidas em outras gestões, com problemas políticos e econômicos num cenário de crise nacional. Diante de tanta dificuldade ele tem feito um governo satisfatório. É difícil avaliar outros órgãos, mas ele tem sido atuante, sensível aos problemas e interessado em resolvê-los. Ter efetividade na solução dos problemas é mais difícil. Se fosse fácil todo mundo que sentasse na cadeira de prefeito conseguiria fazer. De um modo geral, tem feito, sim, um bom trabalho.
FCG – Nesse quadro, é impossível recuperar a cidade em pouco tempo. Quais as prioridades indiscutíveis e ao alcance das condições da Prefeitura?
PAPY – A grande prioridade é a saúde. Há pouco tivemos uma greve de médicos, há insatisfação de servidores, faltam reajustes, remédios, equipamentos nas unidades hospitalares. O convênio com a Santa Casa não cobre a demanda. Primeiro, é imperioso atacar e resolver a questão da saúde. Em segundo lugar, a mobilidade urbana, a infraestrutura. É imensa a dificuldade na manutenção da cidade até com ações simples como um tapa-buraco, pintura de meio-fio, poda de árvore, limpeza de praças, iluminação pública e pequenas obras, como a recuperação de Ceinfs, postos de saúde, escolas. São deveres da Prefeitura em áreas básicas e com muitas dificuldades para ser executadas.
FCG – Um de seus projetos regulamenta o serviço dos guinchos. Isso indica preocupação com questões urbanas de menor visibilidade, mas de real importância. Há outros problemas similares que exigem atenção do poder público?
PAPY – Um vereador trabalha de forma segmentada. Embora a questão da Cosip envolva toda a população, em uma sociedade plural o olhar do legislador precisa dar a devida atenção a interesses segmentados. Às vezes, interesses de pequenos grupos deixam de ser ouvidos. Na questão do guincho, falta regulamentar o serviço. E isso compromete o trabalho prestado ao consumidor. Há uma disputa desigual de mercado com aqueles que trabalham de forma irregular. Sem as condições adequadas, o serviço pode acarretar riscos quando prestado sem a estrutura necessária ou por pessoas sem conhecimento técnico para dirigir um caminhão, manusear um guincho ou tirar um carro de um córrego. Eu me preocupo também com questões aparentemente pequenas, mas de grande alcance social e econômico. Tenho projetos, estudos e ideias sendo elaborados, como na questão da juventude, para incentivar o esporte e beneficiar os estudantes universitários e a própria Prefeitura. Outro projeto torna o Município responsável pelo exame médico de crianças da rede pública, do pré-escolar e ensino fundamental, para prevenção e combate ao diabetes e à anemia.
FCG – Os desgastes dos políticos com operações contra a corrupção afetam o papel e o trabalho dos vereadores?
PAPY – A mim, não. Eu creio nas instituições. A pessoa pode julgar, criticar, por no banco dos réus o político e suas ilicitudes. Mas nunca desafiar os poderes. Colocar a função do vereador ou do presidente no banco dos réus é desafiar o poder ou a instituição em si. É temerário desequilibrar a harmonia dos poderes, centro e força da democracia. Um legislativo municipal fraco estimula o surgimento de um executivo superpoderoso, que vai cometer atrocidades na cidade porque terá um poder absoluto, maior que todos. É pressuposto da democracia ter o contraponto, o debate. Não existe democracia sem políticos e não existe País equilibrado sem governo. Penso que sairemos deste momento revigorados e amadurecidos para termos uma democracia mais forte.
FCG – Seu partido já tem uma inclinação ou preferência por candidaturas ao governo estadual em 2018?
PAPY – Nosso partido é da base aliada do governador Reinaldo Azambuja, mas estamos muito longe ainda para qualquer alinhamento na questão eleitoral. Naquilo que for bom para o Estado, o nosso partido irá apoiar. E aquilo que tiver que combater e criticar, faremos também. Assim como o deputado estadual do nosso partido, Herculano
Borges, deverá fazer seus apontamentos e críticas necessárias, da mesma maneira estamos atuando no município.
FCG – Qual a nota que o senhor daria ao seu primeiro semestre de mandato, considerando o que seu trabalho já conquistou e o que ainda não teve retorno?
PAPY – Sinto-me feliz com o meu mandato. É muito difícil ter relevância, alcançar sucesso em todas as frentes que militamos. Mas sou grato pela oportunidade e acredito que eu e a minha equipe estamos fazendo um bom trabalho. Satisfeitos nunca estamos e nem estaremos, porque o trabalho nunca acaba e sabemos que sempre é possível melhorar. Mas diante das dificuldades que encontramos nos primeiros meses, considero que fizemos um trabalho positivo. Quanto à avaliação de nota, acredito que seja mais responsabilidade daqueles que me elegeram e da população de um modo geral.