As vozes de mais de 200 milhões de brasileiros se levantam, indignadas, contra as diversas barbaridades que políticos inescrupulosos patrocinam ou tentam continuar patrocinando. Aqueles que escaparam da limpeza ética das urnas fazem os seus lances derradeiros na esperança de conservar o privilégio criminoso da impunidade.
Este é o caso do Projeto de Lei 9054/17, que pode escancarar uma janela para perdoar crimes contra a administração pública. O texto propõe uma ampla reforma na Lei de Execução Penal e em outras que tratam da aplicação de penas no Brasil. A proposta é criticada duramente pelo futuro ministro da Justiça Sérgio Moro, que não quer vê-lo votado na Câmara este ano.
Apesar da chiadeira da opinião pública, parlamentares que malandramente tentam votar ainda este ano a reforma da Lei de Execução Penal pretendem aprovar a regra que impede a condenação à prisão de acusados dos crimes considerados de “menor potencial ofensivo”. Seriam enquadrados na nova regra os crimes que preveem pena de até três anos. O que eles não contam é que a corrupção está entre os crimes em que a prisão seria dificultada.
Entre os truques da reforma da Lei de Execução Penal está a previsão de suspender eventuais sentenças contra corruptos ou sua comutação. Mais de 50 deputados federais são investigados e mais de cem citados na Lava Jato, todos sujeitos a julgamento e condenação por corrupção. Vários parlamentares que se opõem a esse tipo de malandragem posicionam-se vigorosamente para que no âmbito congressual a iniciativa seja implodida.
MAIOR RIGOR
O deputado federal Fábio Trad (PSD/MS) é um dos principais opositores e põe em cena os conhecimentos e a autoridade com que, entre outras intervenções, presidiu a seccional sul-mato-grossense da OAB (Ordem dos Advogados) e colocou-se entre os grandes debatedores da reforma da legislação penal. Para ele, o que se faz prioridade não é reduzir e nem minimizar a punibilidade da corrupção, mas otimizar sua eficácia e redobrar seu rigor.
Um juiz experiente, o deputado federal eleito Luiz Flávio Gomes (PSB-SP) adverte que a aprovação desse projeto será o triunfo da impunidade. O projeto não deveria ser votado pelos atuais deputados federais, diz ele, até porque 52% foram derrotados nas urnas. Pensado para reduzir a superlotação nos presídios, o projeto foi elaborado em 2013 por uma comissão de 16 juristas, a pedido do Senado. Aprovado pela Casa em outubro de 2017, sob a relatoria de Renan Calheiros (MDB-AL), o texto espera a análise da Câmara.
“A ideia de desencarceramento para crimes não violentos é, em princípio, boa, mas na prática pode criar um problema”, afirma Luiz Gomes. O projeto é defendido pelos autores. “Nunca houve por parte da comissão interesse em beneficiar pessoas condenadas por corrupção, que representam de 1% a 2% da população carcerária brasileira”, afiança Maria Tereza Uille Gomes, relatora do projeto na equipe e membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Segundo Gomes, a brecha está em mudanças na Lei 9099/95 (dos Juizados Especiais Cíveis), fortalecendo duas ferramentas (suspensão condicional do processo e transação penal), feitas para que crimes sem uso de violência não cheguem aos tribunais e, com isso, se desafogue o Judiciário. A suspensão condicional (quando o acusado assume condições como não frequentar certos lugares ou se apresentar ao juiz periodicamente) é reservada a crimes com pena mínima de um ano. Com a reforma, o “piso” sobe para três anos e passa a abranger corrupção ativa e passiva, peculato e concussão, por exemplo.
A transação penal – quando o acusado paga multa ou cumpre penas alternativas, como serviços comunitários – pode ser usada para crimes com pena máxima de até dois anos de prisão. A suspensão se baliza na pena mínima e a transação, na máxima. Com a reforma, o limite sobe a cinco anos, tornando aptas ao benefício infrações como fraude em licitação, caixa 2 eleitoral e tráfico de influência.
Moro defendeu que, “considerando os escândalos criminais dos últimos anos, seria importante pelo menos fazer ressalvas com relação à aplicação disso para a corrupção”. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi pressionado a colocar o tema em pauta ainda nesta legislatura. Moro pediu a ele que deixe o assunto para que o Congresso de 2019 e o governo Jair Bolsonaro (PSL) o revisem. “Não se resolve o problema simplesmente soltando os criminosos. A sociedade acaba ficando refém dessa atividade criminal e me parece que a mensagem dada nas eleições não foi exatamente essa”, enfatizou.