A aplicação dos recursos, os detalhes do projeto, as exigências do financiador, as obrigações dos financiados e os impactos sociais, econômicos, urbanos, ambientais e culturais com as obras do Reviva Centro precisam passar por uma reavaliação profunda da sociedade. Os meios e colegiados de controle social, técnico e até político desse megaempreendimento não podem assistir, indiferente, às profundas mudanças que a mais antiga e valorizada região urbana da capital sul-mato-grossense já está sofrendo.
Com esta análise, alguns vereadores estão levantando a bandeira da fiscalização rigorosa do projeto, alvo de polêmicas, questionamentos e informações desencontradas sobre efeitos sociais e econômicos, além das implicações no trânsito de veículos, na mobilidade e na acessibilidade. A Câmara Municipal acendeu o rastilho necessário para a explosão desse debate. Os vereadores André Salineiro e Valdir Gomes estão entre os que entendem e endossam os questionamentos da população sobre o tema. Salineiro não é contra o investimento, defende o crescimento da cidade, mas quer tudo seja esclarecido.
Os questionamentos vão desde a origem do projeto até à forma de alocação dos recursos, seu uso, os objetivos e efeitos das mudanças e até os penduricalhos, como a solicitação de um aditivo milionário que fará o custo saltar de quase R$ 50 milhões para R$ 62 milhões.
AUDIÊNCIA
Em outubro do ano passado, uma audiência pública na Câmara foi convocada pelos vereadores Salineiro e João César Mattogrosso. A Prefeitura levou técnicos da Secretaria de Infraestrutura e Planurb para explicar o projeto e discorrer sobre seu custo-benefício. E informou-se, então, que o BID financiou US$ 56 milhões, mais a contrapartida do Município. A audiência, entretanto, se esgotaria nesse limite porque ainda não era possível ver e sentir o impacto das obras como ocorre agora, quase um ano depois de iniciadas.
Naquela audiência, por exemplo, ninguém sabia que na metade dos serviços seria providenciado um aditivo de R$ 12 milhões, cerca de 25% da contrapartida local. Não se sabia também que hoje, conforme a Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL), mais de 1,5 mil estabelecimentos comerciais estariam fechados na região, com a perda de mais de seis mil vagas de trabalho. Estes e outros senões, como um erro primário na execução do projeto (assentaram um calçamento antes de colocar o piso tátil) e a confusão no trânsito que já foi modificado na rua principal, a 14 de Julho, exigem uma tomada vigorosa e incisiva de posição por parte do conjunto da vereança. Eles são os fiscais legítimos de um povo que lhes confiou os mandatos.
REPROVAÇÃO
O jornal Correio do Estado fez uma sondagem com 26 dos 29 vereadores e constatou que a maioria é contrária ao aditivo financeiro para pagar a empreiteira Engepar, contratada por R$ 49 milhões para fazer o trecho da 14 de Julho. Agora a empresa reclama que precisa de mais verbas para concluir o serviço. Quatro vereadores são a favor do adicional e 10 não se posicionaram. Salineiro ainda não se decidiu sobre o pedido de aditivo, mas considera essencial o esclarecimento necessário pelo Executivo. Contra esse repasse extra já se posicionaram os vereadores Júnior Longo, Ademir Santana, Aírton Araújo, Darlengh Campos, Antonio Cruz, Loester de Oliveira, Valdir Gomes, Jeremias Flores, Odilon de Oliveira, Veterinário Francisco, Dr Lívio e Cida Amaral.
São favoráveis ao aditivo: Betinho, Carlão Borges, Cazuza e Willian Maksoud. Entre os indecisos até Chiquinho Teles, que é o líder do prefeito, perfila-se com João Rocha, João César, Otávio Trad, Fritz, Eduardo Romero, Dr Cury, Delegado Wellington, André Salineiro, Wilson Sami. Os vereadores Vinícius Siqueira, Papi e Gilmar da Cruz não foram ouvidos.
Salineiro aponta o interesse prioritário da população, que é saber onde e como seu dinheiro é aplicado, se é bem aplicado e se a primeira necessidade está sendo reconhecida. Diz ser um militante do progresso, mas com transparência, eficiência e agilidade. “Cumpro o papel para o qual fui eleito”, diz. Salineiro. Que emenda: “Sou contra o aditivo, inclusive fiz projeto de lei na Câmara proibindo, pedindo que toda obra em Campo Grande tenha que fazer seguro, com valor feito na sua licitação e não ter mais aditivo”.
Contundente, Valdir Gomes comparou a solicitação de aditivo para o Reviva Centro às obras do Aquário do Pantanal, até hoje não concluído. “Eu sou contra tudo que aconteceu com aditivo, como o Aquário, que começou com vários aditivos. Quando ganha licitação, a empresa tem que prever se vai ter aumento ou não”.
RESPONSBILIDADE
Um dos papéis mais importantes de um vereador é o de fiscalizar os atos do Executivo. Esta é a única forma legal, democrática e juridicamente incontestável de um poder interferir no ambiente de outro sem ser necessária outra forma de provocação, judicial ou social. Assim, ao candidatar-se a um cargo parlamentar, a pessoa deve obrigatoriamente saber que seu mandato só terá valor, reconhecimento e justificação se este papel fiscalizador for exercido.
Ocorre que em muitas casas legislativas (Câmara Municipal, Assembleia e Congresso Nacional), são muitos os vereadores, deputados e senadores que andam passando ao largo desta responsabilidade. Por causa de interesses pessoais de ordem afetiva (amizade com o chefe do executivo), político-partidária (convivência no mesmo partido) ou com os mesmos projetos – e até de ordem menor (ambição financeira, patrimonial e de poder), muitos dos atuais legisladores brasileiros fazem de conta que não têm a obrigação de cuidar da forma como prefeitos, governadores e presidentes da República tratam do dinheiro do contribuinte e do patrimônio exclusivo de serviços à sociedade.