Para várias pessoas – entre amigos, admiradores ou apenas intérpretes das leis – houve exagero das autoridades ao determinar a aplicação da tornozeleira para monitorar o ex-governador André Puccinelli. No entanto, a Polícia Federal, uma das instituições que participaram da Operação “Máquinas de Lama”, o está tratando como comandante do esquema que, em cálculos ainda iniciais, teria desviado perto de R$ 160 milhões de cofres públicos municipais e estadual.
A “Máquinas de Lama”, que é a quarta etapa da operação inicial denominada “Lama Asfáltica”, prendeu por alguns dias Puccinelli e outras pessoas denunciadas pela prática de crimes como peculato e lavagem de dinheiro. A força-tarefa, que reuniu cerca de 270 servidores da PF, Controladoria Geral da União, Ministério Público e Receita Federal, cumpriu mandados de busca e apreensão de documentos, recolhidos em várias propriedades na capital e no interior.
Além de Puccinelli, caíram no pente-fino da força-tarefa mobilizada nessa etapa alguns de seus maiores colaboradores (dentro e fora do poder público), entre os quais o empresário Mirched Jaffar, dono da Gráfica e Editora Alvorada; Mauro Cavalli, ex-secretário e hoje um rico produtor rural que a PF considera “laranja” do ex-governador na lavagem de dinheiro; André Cance, ex-secretário-adjunto de Fazenda de Puccinelli; o advogado André Puccinelli Jr; e o ex-servidor comissionado da Secretaria Estadual de Educação, Jodascil Lopes.
CIDADÃO
Em 2013 Cavalli chegou a receber da Assembleia Legislativa uma importante honraria, a de cidadania sul-mato-grossense, por sugestão do deputado estadual Márcio Fernandes, que na época era do PTdoB e depois mudou-se para o PMDB, partido de Puccinelli. A Câmara Municipal de Campo Grande também havia feito semelhante solenidade em agosto do ano anterior para homenagear o ex-secretário com o título de Cidadão Campo-grandense. Cavalli estava em uma de suas propriedades rurais, em Bonito, quando a operação foi deflagrada.
Dos 32 mandados que foram cumpridos na semana retrasada, 10 eram dirigidos a empresas que tinham relação contratual com órgãos públicos ou pessoas investigadas na operação, entre as quais a Águas Guariroba, o JBS, a HBR Medical (fornecedora de programas de informática para clínicas e hospitais) e a H2L, especializada em soluções para documentos. A H2L Soluções, que fatura contratos lucrativos para locação de máquinas de reprografia, é doadora de campanhas de Puccinelli e Giroto, que o ex-governador tentou, sem sucesso, transformar em prefeito de Campo Grande.
A HBR Medical, também por meio de contratos generosos, fornece em locação equipamentos necessários à implantação da Rede Digital de Imagens no sistema de exames na rede estadual de saúde, além de ceder aparelhos portáteis de ultrassonografia e de eletrocardiogramas. As investigações apuram indícios de superfaturamento, segundo a PF.
Entre as peças apreendidas, a Polícia Federal encontrou com André Cance registro de débito de R$ 2,1 milhões chamado ‘NF-806-gráfica Alvorada’. Trata-se da produção de catálogos da Gráfica Alvorada para o Frigorífico JBS. A PF e a CGU afirmam que esse valor corresponde a 20% do que o conglomerado faturou com incentivos fiscais do governo do Estado. O primeiro pagamento feito pela JBS foi de R$ 2 milhões à Gráfica Alvorada, a mesma que em 2014 foi protagonista de um negócio milionário no apagar das luzes do mandato de Puccinelli.
Jaffar, o proprietário da gráfica, de acordo com a PF, pagou propina a André Cance para ser repassado a André Puccinelli. “Nas interceptações telefônicas é possível verificar que André Cance arrecadava propina para André Puccinelli, entendo estar demonstrado que André Puccinelli era o comandante de todo esquema criminosa do recebimento de propina em questão dos recebimentos fiscais à JBS”, afirmam os investigadores. O grupo JBS pagou em um ano R$ 10 milhões de propinas, correspondendo a 20% das renúncias fiscais do Estado para favorecer os negócios do conglomerado industrial.
MONITORADOS
Puccinelli, João Amorim e o ex-secretário de Obras e ex-deputado federal Edson Giroto eram os alvos centrais das suspeitas e investigações do MP, CGU, Receita e PF desde a deflagração da “Lama Asfáltica”. Agora, são poucas as dúvidas das autoridades sobre a responsabilidade de ambos no milionário esquema, cujos desvios ainda não têm o valor global levantado.
Nas primeiras operações, Giroto e Amorim integraram o elenco de presos pela Polícia. Nesta de agora, a custódia atingiu outras pessoas que ainda não haviam sido detidas, como Cavalli e Josdascil. Para André Puccinelli, o vergonhoso foi ter de usar tornozeleira por uma semana e ser obrigado a pagar fiança de R$ 1 milhão, sob pena de ser preso. Mas o desembargador Paulo Fontes, do TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), suspendeu o uso do equipamento e autorizou o desbloqueio das contas bancárias de Puccinelli para pagar a fiança.
A Justiça Federal também mandou soltar Mirched Jaffar Jr e André Cance. E até o fechamento desta matéria ainda não se havia pronunciado sobre pedido de habeas corpus para Jodascil Lopes. O ex-servidor da Educação no governo de Puccinelli foi responsável pelo parecer que endossou a compra, sem licitação, de 100 mil livros paradidáticos na Alvorada, uma transação que os investigadores incluem entre as formas adotadas pelo esquema para desviar recursos. O artifício criminoso foi tão grosseiro que 80 mil exemplares dessa encomenda estavam estocados num depósito. Os dados que a CGU apurou indicam que só em dezembro de 2014 a Alvorada recebeu R$ 11,2 milhões de contratos com o governo do peemedebista.