O ditado popular de que “o crime não compensa” deveria ser geral e absoluto para todo mundo. Mas há exceções. Tem gente que lucra, e muito, praticando os mais diferentes crimes para enriquecer e é regiamente compensada, com dinheiro e favores, alguns impensáveis, especialmente a impunidade. É o caso dos irmãos Batista, Joesley e Wesley, donos do grupo JBS, o maior conglomerado de subprodutos da carne do planeta.
Um império construído pelas vias meritórias do trabalho honrado, cresceu além dos limites, enfiou-se nos meandros tortuosos da corrupção e hoje se mantém, maior e mais poderoso, graças a esquemas de desvios bilionários de verbas e favorecimentos do poder público. E o absurdo: para assumir o protagonismo de corruptores de um dos mais repugnantes escândalos políticos do mundo, os dois irmãos assinaram um acordo de delação premiada com a Justiça, aceitando confessar gravíssimos crimes em troca de penas tão aliviadas que mais se assemelham a um perdão regiamente compensador.
PREMIAÇÃO
Os benefícios concedidos pela Justiça aos executivos do grupo JBS no acordo de delação constituem verdadeiros prêmios a criminosos que já deveriam estar atrás das grades. Porém, por esses crimes confessos os Batista não só escaparam de ver o sol nascer quadrado, mas também assinaram a delação mais premiada entre as 155 firmadas até agora na Operação Lava-Jato. O acordo de colaboração foi assinado com o MPF (Ministério Público Federal) e homologado pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Lesão grave das regras do mercado, suborno e outros crimes são imputados aos irmãos Batista.
Ao acertarem seus termos, os irmãos disseram estar sendo ameaçados de morte. Por isso, a delação inclui medidas para garantir a segurança deles e da família. Os dois conseguiram autorização para morar no exterior, desde que atualizem mensalmente os endereços e telefones residenciais e de local de trabalho. Responsáveis pelo pagamento de propinas e caixa 2, os executivos foram liberados para continuarem morando em Nova Iorque (EUA), num dos quadriláteros mais caros do planeta. Poderão andar livres e sem tornozeleiras, ao contrário de dezenas de réus e investigados da Lava Jato.
A multa aplicada à JBS é de R$ 225 milhões, uma mixaria perto dos R$ 170 bilhões faturados em 10 anos e dos bilhões de agrados para mais de 1.800 políticos de todas as graduações e partidos que lhes deram sustentação aos negócios por meio de operações fraudulentas. A multa da JBS é irrisória, diz o jurista Luiz Flávio Gomes.
Outra grande empresa envolvida na Lava Jato, a Odebrecht, pagará R$ 500 milhões, além de R$ 6,7 bilhões devidos do acordo de leniência. Autor do livro “Delação Premiada – Legitimidade e Procedimento”, o juiz federal Frederico Valdez Pereira observa que o prêmio deve ser proporcional ao que se consegue com a colaboração.
Desde a abertura de capital, em 2007, os Batista foram favorecidos pelos cofres públicos e receberam mais de R$ 10 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para custear a aquisição de diversos concorrentes, até se tornarem os maiores processadores de proteína animal do mundo. Atualmente, quase 80% da receita da JBS é gerada no exterior, sobretudo nos Estados Unidos. O grupo é gerador de mais de 270 mil empregos diretos, operando cerca de 300 fábricas em cinco continentes.
Segundo Leandro Ruschel, ninguém teve termos de uma delação premiada mais favoráveis que os irmãos que comandam a JBS. “Os sujeitos que ajudaram a afundar o país vão curtir em Nova Iorque os bilhões que ganharam ilegalmente com as bênçãos da Procuradoria-Geral da República e do STF. Ganharam imunidade completa, que possivelmente se estende à compra do dólar um dia antes do estouro da moeda e das vendas das suas ações na JBS com informação privilegiada. Mais uma cusparada na cara dos brasileiros honestos. No Brasil, o crime compensa”, sentencia Ruschel.
Joesley Batista pediu “desculpas” à população brasileira por “pagamentos indevidos a agentes públicos”. Ele afirma que a empresa foi levada a cometer atos criminosos por um “sistema brasileiro que muitas vezes cria dificuldades para vender facilidades”. O empresário disse que reconheceu seus erros e que está comprometido em colaborar com as investigações.