O caso já se arrasta na Justiça desde 2012, último ano do segundo mandato do então prefeito de Campo Grande Nelson Trad Filho, e resultou há poucos dias numa medida que assombrou o povo de Mato Grosso do Sul. Por decisão do Juiz da Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande, José Henrique Neiva de Carvalho e Silva, foram bloqueados bens de Nelsinho Trad e de outros envolvidos no escândalo do lixo, o “Lixogate”, que somam R$ 101.576.415,44.
O assombro se justifica porque, como se poderá notar no correr da reportagem, toda essa montanha de dinheiro foi destinada possivelmente ao pagamento de propina referente a uma única licitação. Daí, boquiaberta, a população da Capital, em especial a mais humilde, fica imaginando o que não pode ter acontecido nos demais anos que antecederam a escabrosa licitação que terminou com a assinatura de um contrato bilionário entre a Prefeitura de Campo Grande e o Consórcio Solurb para a execução dos serviços de coleta de lixo da Capital.
SENADOR MILIONÁRIO
Essa é a realidade vivida pelo atual senador da República Nelsinho Trad (PSD), que em algumas ocasiões apareceu na mídia implorando o desbloqueio de seus bens porque alegava estar “passando fome”. Hoje, segundo o Ministério Público Estadual (MPE/MS), ele é dono de uma das maiores fortunas de todo o Mato Grosso do Sul.
Para se ter uma ideia do volume de dinheiro que pode ter jorrado pelo ladrão ao longo de uma administração que teve oito anos de duração, além do bloqueio desses bens que somam mais de R$ 100 milhões, a Fazenda Papagaio, com mais de oito mil hectares, no município de Porto Murtinho, também foi confiscada pelo Judiciário. E toda essa dinheirama, como já frisado, refere-se apenas a um pagamento de propina efetuado pela Solurb, que teria sido beneficiada pelo grupo liderado por Nelsinho através de uma licitação fraudulenta.
O bloqueio de R$ 101.576.415,44 das contas do senador milionário e de seus liderados refere-se, de acordo com a denúncia formulada pelo MPE/MS e acatada pelo representante do Poder Judiciário, a valores “pagos a título de propina” ao hoje senador Nelsinho Trad, à ex-mulher dele, Maria Antonieta Amorim, que é também ex-deputada estadual, e a mais seis pessoas que integravam o grupo que idealizou a fraude licitatória para garantir o contrato bilionário do serviço de coleta do lixo ao consórcio liderado pela Solurb.
Ao vencer a licitação, a Solurb e empreiteiras associadas ao consórcio (Financial Construtora Industrial e LD Construções Ltda.) abocanharam um contrato com duração de 25 anos ou 300 meses.
Atualmente, a Solurb recebe R$ 7,6 milhões mensais para coletar o lixo urbano de Campo Grande.
Partindo desse número, em valores atuais, o contrato da licitação fraudulenta rende ao consórcio beneficiado a bagatela de R$ 91 milhões por ano.
Como o contrato tem duração de 25 anos, ou 300 meses, tem-se que seu valor final em valores de hoje será de R$ 2.280.000.000,00 (isso mesmo: dois bilhões e duzentos e oitenta milhões de reais).
Trocando em miúdos: a “gorjeta” de R$ 100 milhões repassada a Nelsinho e seus liderados equivale a aproximadamente 1/25, ou 4%, do valor total do contrato celebrado entre a administração do ex-prefeito Nelsinho Trad e o Consórcio Solurb.
A DENÚNCIA
Apesar de Nelsinho Trad contestar o MPE/MS, alegando que é inocente de todas as acusações, no processo que corre na Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande há muita solidez e determinação nas acusações da Justiça, não ficando margem para hipótese de o Judiciário estar tratando de possibilidade, mas, pelo contrário, age com clara evidência de que se trata de caso concreto de corrupção ativa e passiva.
Em um trecho do inquérito, a acusação afirma que fechado o acordo entre os representantes do consórcio e o então prefeito Nelsinho Trad este teria recebido cifras milionárias em razão de fraude na concorrência n. 66/2012. Esse dinheiro teria sido repassado a Nelsinho de forma oculta mediante a aquisição da Fazenda Papagaio, com oito mil hectares. A fazenda Papagaio, que está dando todo esse bode, fica no município de Porto Murtinho, na fronteira com o Paraguai.
Bem ao estilo das “famiglias” da Máfia Italiana, a transação envolveu as famílias Trad, Amorim e Dolzan, que se entrelaçam por meio de casamentos e nascimentos de filhos.
Dessa forma, a fazenda teria sido adquirida em nome das filhas do empreiteiro João Amorim, que é irmão de Maria Antonieta Amorim, ex-mulher de Nelsinho Trad. Nesse emaranhado inclui-se a filha de Amorim, Ana Paula, que é esposa de Luciano Dolzan, um dos sócios do consórcio. A atual mulher de João Amorim também teria participação em toda a trama que ainda envolve os ex-secretários municipais João Antônio de Marco e Marco Antônio Moura Cristaldo.
Além do confisco dos bens dos envolvidos na trama digna de roteiro cinematográfico, os envolvidos estão respondendo por crimes de peculato, formação de quadrilha, corrupção passiva, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Todos devidamente indiciados, se forem condenados terão de puxar uns bons aninhos de cadeia até conseguirem a liberdade condicional ou a prisão domiciliar.
Diante de todo o exposto ficam no ar algumas perguntas que ainda estão sem respostas:
– além da penalização dos acusados de surrupiar descaradamente o erário, o dinheiro amealhado desonestamente pelo grupo será devolvido aos cofres públicos?
– o espanto dos cidadãos diante das cifras milionárias leva a perguntar como está e como vai ficar o “Caso Gisa”, que investiga desvio de outros milhões de reais que eram destinados à área da saúde pública?
Por fim, resta parabenizar as autoridades policiais, judiciais e do Ministério Público pela forma isenta e firme com que continuam investigando os integrantes de máfias políticas que se apossaram do dinheiro público ao longo de anos acreditando na impunidade, mas se esquecendo da máxima colhida na sabedoria popular de que “a Justiça tarda, mas não falha”.