Cerca de R$ 400 milhões em dívidas vencidas e a vencer, pendências no Cadastro de Inadimplentes, rombo milionário na previdência municipal, um déficit orçamentário mensal de R$ 30 milhões na média, dezenas de obras inacabadas que totalizam R$ 480 milhões, contratos irregulares ou não executados que causam a paralisação de serviços essenciais, inchaço de pessoal em uns setores e carência em outros, falta de manutenção urbana (sobretudo em pavimentação), cortes profundos em planilhas orçamentárias de primeira necessidade e impactos diretos no enfraquecimento da economia e aumento do desemprego. Na Educação e Saúde, Campo Grande é destaque nacional negativo, com os índices de reprovação no Ideb e o congestionamento de consultas e exames na rede pública.
Este é o resumo da herança que a administração de Alcides Bernal e Gilmar Olarte, ambos eleitos pelo PP, deixarão para seus sucessores, o prefeito Marquinhos Trad (PSD) e a vice-prefeita Adriane Lopes (PEN). Embora esteja inteirando-se da situação da Prefeitura no processo de transição em curso, só a partir de 1º de janeiro, quando assumir o cargo, é que Trad terá uma radiografia mais detalhada e poderá sentir na pele o impacto doloroso que o desgoverno causa nos governados e em governantes sinceramente comprometidos com os interesses da sociedade.
O sucessor de Bernal vai experimentar, então, o peso bruto das responsabilidades embutidas nos números frios dos relatórios que recebeu e na imperiosa obrigação de acelerar o passo e não errar para tornar possível a recuperação da capital de Mato Grosso do Sul em seus quatro anos de mandato. Na terça-feira, 22, as equipes de transição de Bernal e Trad se encontraram para mais uma reunião de trabalho. Na ocasião, o eleito foi informado que o déficit mensal do Município está entre R$ 25 milhões a R$ 30 milhões. Pior: a Prefeitura só teria nos cofres uma reserva que suporta apenas as contas de novembro. Dezembro é uma incógnita. Segundo o economista Pedrossian Neto, do staff de Trad na transição, em outras gestões o
Tesouro chegava em novembro com reservas financeiras para até três meses.
De acordo com o vice-presidente da Comissão de Orçamento da Câmara Municipal, vereador Eduardo Romero, da Rede, Marquinhos deve assumir uma dívida real existente de R$ 246 milhões em 2017. No entanto, se somadas outras contas a pagar, o valor pode passar dos R$ 400 milhões. Segundo Romero, Marquinhos irá trabalhar com um orçamento apertado, tendo R$ 10 milhões a menos do que o previsto e 12 setores atingidos diretamente, que terão menos recursos em relação ao ano passado.
MAIS PROBLEMAS
O quadro calamitoso é denunciado em várias fontes baseadas em dados oficiais. Na Câmara Municipal, o vereador Eduardo Romero (Rede), relator da Comissão de Orçamento, pontua que o próximo prefeito assumirá com uma dívida vencida que totaliza R$ 246 milhões, mas sobe a R$ 400 milhões se incluídas as contas a vencer no exercício, além de contar com um orçamento minguado, com R$ 10 milhões a menos que o previsto, o que abre um futuro nebuloso para 12 setores da administração. Não bastasse, Bernal transferiu para Marquinhos outros problemas envolvendo o quadro de servidores. Um deles é o ajuste salarial dos servidores, cujos índices andam engasgados e pressionando os limites da folha em relação à Lei da Responsabilidade Fiscal.
O pagamento integral do piso nacional dos professores vai entrar na pauta de 2017, queira ou não o sucessor de Bernal, que deixou mais este item no espólio. A categoria teve este ano só 3,31% de reajuste, quando a faixa reivindicada era de 24,37%. Soma-se a isso a decisão da Justiça que obrigou a Prefeitura a cancelar os contratos com a Seleta Sociedade (SSCH) e a Omep, o que vai por na rua 4,3 mil pessoas contratadas como prestadores de serviço para trabalhar em 99 Ceinfs (Centros de Educação Infantil) e 94 escolas. A Justiça concordou em esperar que as demissões sejam feitas só em agosto do ano que vem. Se de um lado a Prefeitura faz economia, de outro perde a amplitude e a execução de serviços em áreas fundamentais.
No Instituto Municipal de Previdência (IMPCG) há um rombo de aproximadamente R$ 12 milhões, conforme várias denúncias, uma delas formalizada pelo deputado estadual e ex-candidato a prefeito Coronel David (PSC). Com o acúmulo de pendências, essa conta pode chegar a R$ 100 milhões. Além de angustiar pensionistas e aposentados que recebem pelo IMPCG, a assistência médica no Instituto sofreu brutal interrupção. Por causa do atraso do salário dos médicos, as consultas começaram a ser canceladas em setembro. Os atrasos começaram em 2011, mas a situação se agravou mesmo de 2014 para cá.
FRUSTRAÇÃO
Lançada com espetaculosidade em maio deste ano, a retomada de 44 obras inconclusas entrou para a coleção de fiascos da administração de Alcides Bernal e acrescentou mais um item na lista de frustrações dos campo-grandenses. Deveriam ser desembolsados cerca de R$ 45 milhões para terminar empreendimentos como oito UBSF (Unidade Básica de Saúde da Família) em quatro das sete regiões urbanas, 12 Ceinfs (Centro de Educação infantil) e duas escolas, além de 18 salas modulares.
Boa parte desses investimentos, conferidos semanas depois do anúncio de Bernal, tinha somente as placas com o aviso de obra retomada. É bem verdade que o prefeito fez a entrega de duas unidades de saúde (das 10 que prometeu) e outras obras, mas está longe de efetivar o compromisso feito, apesar da disponibilidade orçamentária propagandeada aos quatro ventos. E o prefeito se comprometeu a dar conta de outros investimentos ainda nesta gestão, como o asfalto e a drenagem em vários bairros, entre eles o Nova Lima e Nova Campo Grande; a Avenida Bandeirantes, em convênio com o Exército Brasileiro; de oito Ceinfs que precisavam ser concluídos, apenas dois estão em fase final e outros seis só no próximo ano.
BURAQUEIRA
A “capital dos buracos”, maneira irônica como muitos moradores da cidade a tratam por causa do estado de sua malha viária, não recebeu do prefeito a atenção necessária. Além de cancelar por própria conta e risco os contratos com as empreiteiras investigadas e denunciadas na Operação ‘Lama Asfáltica’, Bernal improvisou de forma bem grosseira e superficial os serviços de tapa-buracos. A população flagrou operários fazendo serviços manuais sem qualquer rigor nas ruas, limitando-se a esparramar pó de pedra e lama asfáltica, compactando o material com os próprios pés.
REPROVAÇÃO
De acordo com o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), Campo Grande está entre os municípios brasileiros que foram reprovados no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) em 2015. O Inep avalia a qualidade da educação das séries iniciais nas escolas públicas. Na proposta orçamentária para o próximo exercício o investimento para a educação foi fixado em 21,64%, com queda de 0,52% em relação a 2016, o que representa menos R$ 11.238.614,00 para o setor.
Outras áreas também estão com previsão orçamentária de menos investimentos: habitação (-0,34%), administração (-0,27%), direitos da cidadania (-0,19%), trabalho (-0,15%), reserva de contingência (-0,15%), legislativa (-0,08%), ciência e tecnologia (-0,06%), comércio e serviços (-0,06%), judiciária (-0,02%) e comunicação (-0,01%).
Marquinhos Trad afirma que o rombo da previdência municipal e os contratos com as entidades Omep e Seleta estão entre suas principais preocupações. Após representação do MPE (Ministério Publico Estadual), os contratos com a Omep e Seleta foram considerados irregulares pela Justiça Estadual, que inclusive exigiu que a Prefeitura Municipal faça as demissões e comece a realização de concursos, para suprir esta demanda.
Enquanto não ocorre o pagamento destas rescisões, acontecem outros impasses, como o atraso no repasse às entidades, o que gerou paralisação de atividades em Ceinfs, pois os recreadores ligados às instituições não foram trabalhar. Eles alegam que não recebem os vencimentos nos primeiros dias úteis e que desde outubro estão sem receber. Já a questão da previdência social, teve como principal denúncia, investigada pelo MPE (Ministério Público Estadual), o suposto “sumiço” de R$ 100 milhões da previdência municipal da Capital, entre 2013 e 2016.
Um risco preocupante, porém, é Marquinhos assumir com a Prefeitura engessada no Cadastro de Inadimplentes (Cadin) e ficar sem direito a repasses de verbas federais. Um bloqueio foi removido esta semana graças a uma demanda judicial. Mas há outras pendências não resolvidas. O Município está com certidão negativa junto à Previdência Social, referente ao repasse do Pasep (Programa de Integração Social e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público). Assim, pode perder os recursos que ainda não foram aplicados. O dinheiro é liberado pela Caixa Econômica Federal de acordo com o andamento da obra. Se as construções ficam paralisadas, a verba pode voltar para os cofres da União.