Desde o início da pandemia, em março de 2020, e até o primeiro bimestre deste ano, o presidente Jair Bolsonaro vinha insistindo com a narrativa negacionista: minimizando o tamanho da infestação do coronavírus, promovendo aglomerações, duvidando da eficácia das vacinas – sobretudo a chinesa Coronavac -, recomendando e investindo milhões de reais na propaganda e no fabrico de medicamentos sem eficácia comprovada cientificamente contra a doença. E, além disso, nomeou e demitiu nesse período quatro ministros da Saúde, desautorizando todos eles a adotar medidas de prevenção, combate e agora e vacinação sem seu consentimento.
Presume-se que esse comportamento, corresponsável pela trágica situação – o País já passou dos 300 mil óbitos e dos 12,2 milhões de casos, além de não ter estoque suficiente de vacinas – iria demorar mais tempo, não fossem alguns fatores. Um deles é o ex-presidente Lula, que ao ter seus direitos políticos restituídos e aparecer nas pesquisas pontuando na cabeça das intenções de voto, obrigou Bolsonaro a tornar-se da noite para o dia um “amigo da vacina” e até a trocar o ministro general Eduardo Pazuello, um completo incompetente, denunciado por omissão.
O presidente começou a se mexer, pressionado não só pela presença de Lula no pré-cenário da sucessão presidencial, mas com o calo apertando nas pesquisas de aprovação de governo, nas quais os itens “ótimo” e “bom” caem à proporção que sobem as classificações “péssimo” e “ruim”. Nesta quarta-feira (24) – talvez de cabeça inchada pela derrota do recurso no STF tentando derrubar as decisões de três governadores que decretaram restrição geral nas atividades econômicas e sociais – e com o Supremo declarando a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro na condução do processo que condenou Lula, Bolsonaro anunciou a criação de um comitê de coordenação nacional para o combate à pandemia.
O grupo terá reuniões semanais. Será constituído pelo chefe do Executivo e pelos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, e outros membros. A medida foi decidida em reunião na manhã desta quarta-feira (24), no Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro recebeu, além dos presidentes do Parlamento, o líder do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, o procurador-geral da República, Augusto Aras, governadores, ministros de Estado e representantes de instituições independentes.
CLOROQUINA
Segundo o presidente, há unanimidade sobre a necessidade de ampliar a capacidade de produção e aquisição de vacinas para alcançar a imunização em massa da população. Contudo, não deixou quieta sua caprichosa defesa da hidroxicloroquina e outros remédios que, mesmo sem habilitação científica contra a Covid-19, fazem parte do chamado “kit-coronavírus” divulgado pelo governante como “tratamento precoce”. E foi nada sutil: “Isso fica a cargo do ministro da Saúde [Marcelo Queiroga], que respeita o direito e o dever do médico de tratar os infectados off-label [por conta e risco de quem prescreve]”.
Um dia antes de anunciar o comitê, sem cerimônia oficial, Bolsonaro assinou o termo de posse do médico cardiologista Marcelo Queiroga como ministro da Saúde, substituindo o general da ativa Eduardo Pazuello. O enrolado processo de mudança de comando do Ministério aconteceu em meio ao pior momento da pandemia da Covid-19 no Brasil. E o próprio Queiroga já disse que quem manda na política de saúde é o presidente.
NOTÍCIA-CRIME
Um grupo de 10 deputados federais do PSB deu entrada na segunda-feira (22), no Supremo Tribunal Federal, com notícia crime acusando Bolsonaro de dois delitos: “homicídio por omissão imprópria” – Artigo 121 do Código de Processo Penal, Parágrafo 2º Item IV; e “prevaricação” – Artigo 319 do CPP. Neste, o alvo é sua conduta negacionista durante a pandemia da Covid-19 e por “retardar a compra de vacinas”, em especial a recusa à oferta, em 12 de setembro de 2020, para a entrega pela Pfizer de 500 mil doses naquele ano, e de 70 milhões de doses até junho de 2021. Havia também opção para a compra de até 500 milhões de doses ainda este ano.