Nem todos são iguais. E foi preocupado com o grupo de pessoas com deficiência (PcD) que o Tribunal de Justiça do Estado assinou um convênio com a Associação Pestalozzi de Campo Grande em novembro de 2015 para a inserção em seu quadro de funcionários de deficientes intelectuais. Quase dois anos depois da parceria, os contratados surpreenderam a todos pela qualidade do trabalho entregue todos os dias.
O TJMS emprega quatro jovens do programa Educação Especial para o Trabalho, sendo dois em cada uma das varas de execução penal. Entre estes estão as irmãs Andressa Daniele Dias da Mota dos Santos, de 22 anos, e Alessandra Dayane Dias da Mota, de 23.
Uma das primeiras a ser contratada, Andressa iniciou suas atividades no Poder Judiciário em dezembro de 2015 na 2ª Vara de Execução Penal, local onde ainda trabalha, enquanto Alessandra ingressou na 1ª Vara de Execução Penal em abril de 2016.
O juiz Albino Coimbra Neto, titular da 2ª VEP, onde Andressa trabalha, ressaltou que a ideia foi motivada pela aproximação do Judiciário com essas entidades, por meio da Central de Execução de Penas Alternativas (Cepa), onde se via claramente que muitas pessoas que estavam nessa situação precisavam apenas de uma oportunidade para poder trabalhar. “Com o convênio celebrado pelo Tribunal de Justiça com a Pestalozzi, foi dada oportunidade a essas pessoas que, como todo mundo no cartório, nós nos surpreendemos com a qualidade do trabalho. E isso graças muito ao trabalho sério da entidade, que tem uma escola que prepara esses alunos para o mercado de trabalho”.
A presidente da Federação Estadual das Associações Pestalozzi em Mato Grosso do Sul, Giselly Saddi Tannous, realçou, igualmente, que essa inserção no mercado promovida pelo convênio permitiu o atingimento de uma cidadania plena para seus usuários. Ao serem contratados e receberem salários, eles são capazes de ajudar de uma forma mais efetiva suas famílias, sendo inclusive arrimo para elas.
Ainda segundo Giselly, a parceria também criou um paradigma para outras entidades e empresas, que passaram a enxergar as pessoas com deficiência intelectual como cidadãos capazes e produtivos. “O Tribunal possibilitou que a instituição alcançasse uma de suas principais missões, a mudança social. Quando uma instituição como o Tribunal, que prima pela excelência na prestação de serviço, contrata pessoas com deficiência intelectual, a sociedade passa a perceber essas pessoas de outra forma”, concluiu.
Rossana Canavarro das Neves, chefe de cartório da 2ª VEP, e responsável direta de Andressa, considera sua presença de grande importância. “Nesses dois anos, ela foi fundamental. Se tivéssemos somente uma pessoa para tudo, o serviço acumularia”.
No cartório de Alessandra não ocorreu diferente. A moça é quem faz o encaminhamento de todos os expedientes emitidos no cartório, fazendo uso de vários sistemas eletrônicos para tanto. Segundo seu chefe imediato, Rodrigo Pereira da Silva Correa, o desempenho dela é excelente e faz quebrar qualquer preconceito que alguém possa ter sobre trabalhar com uma pessoa com deficiência.
O exemplo não só das irmãs, como dos outros funcionários do convênio, serve como evidência de que, muitas vezes, é a própria sociedade que impõe barreiras maiores do que as reduções na capacidade de agir e pensar. É o meio social que os rotula como incapazes, deixando que sofram as consequências de tal definição. Quando se propicia uma oportunidade a eles, no entanto, percebe-se que são iguais a qualquer outro jovem enfrentando as incertezas de uma vida profissional.
Indagada sobre seu emprego, Andressa mostrou satisfação em trabalhar no Poder Judiciário. “Todo mundo é bastante legal, me trata bem, minha chefe é muito querida comigo. Eu gosto muito de trabalhar, não gosto de ficar parada em casa. Esse emprego é muito importante para mim”.
Não somente as jovens estão felizes com seu trabalho. A senhora Leda Dias Lima, de 66 anos, avó das moças e responsável por ambas desde tenra idade, revelou seu contentamento diário ao ver a evolução das netas após ingressaram no Poder Judiciário. “Antes de começar no Fórum, ela (Alessandra) tinha medo de sair de casa, a gente tinha que levar até o ponto de ônibus, ela não andava sozinha na rua, todo mundo que se aproximava ela achava que ia fazer alguma maldade. Não confiava nas pessoas. Depois que começou a trabalhar no fórum, ela mudou totalmente. Hoje anda na rua sozinha, pega ônibus sem problemas, vai e volta sozinha quando a gente não pode ir buscar e está sempre feliz de trabalhar lá”.
A fala da senhora Leda, que também cuida de um terceiro neto com deficiência múltipla, demonstra que o convênio do TJMS com a Pestalozzi, de fato, atinge o valor do Poder Judiciário estadual para o qual foi pensado: Responsabilidade Social. Ao recrutar a força de trabalho desses jovens, o Tribunal de Justiça está não apenas dando uma oportunidade a eles, mas lhes proporcionando motivos para lutar e amenizar os problemas que enfrentam com sua deficiência na medida em que melhoram a percepção possuída de si mesmos, além de contribuir com suas famílias e com a sociedade de maneira geral ao diminuir as taxas de isolamento social e aumentar a participação desses grupos na comunidade.
“Uma coisa que eu tenho a fazer é agradecer a Deus, à Pestalozzi e ao Tribunal por elas terem chegado onde chegaram. Quando a Pestalozzi falou do trabalho no Fórum eu achei ótimo porque é bem melhor para elas. Antes elas tinham que ir até Indubrasil, acordar muito cedo. Era desgastante. Agora elas amam ir trabalhar. Sempre falam muito bem dos colegas e dos chefes. Foi uma iniciativa maravilhosa. Algo que, finalmente, deu valor às pessoas especiais e não só um trabalho. Foi feita uma socialização de verdade, uma integração. Eu só tenho a agradecer”, concluiu dona Leda.