A oficialização da CPI teve na véspera uma bombástica contribuição, quando Kajuru divulgou uma conversa que teve no sábado com Jair Bolsonaro, por telefone. O presidente, entre outros comentários e impropérios, pediu ao senador para incluir governadores e prefeitos no alvo das investigações, ofendeu com adjetivos depreciativos o senador Randolfe Rodrigues, inclusive desafiando-o para sair “na porrada” e fez avaliações desairosas sobre ministros do STF.
A ameaça a Randolfe não é o primeiro episódio de violência contra o senador. Em meados de setembro de 2013, os membros das comissões da Verdade da Câmara e do Senado visitavam o edifício do extinto Doi-Codi, no Rio de Janeiro. Bolsonaro, mesmo não sendo integrante, tentou forçar a entrada e ficou irritado após ter sido impedido de participar da visita. O senador contou que Bolsonaro ficou irritado ao ser informado que só entraria quem fizesse parte da comissão e ele retrucou dizendo que queria entrar no seu quartel. Na discussão, o então deputado Bolsonaro deu um soco na barriga de Randolfe.
FRAGILIDADES
Além de instalar uma nova crise na Praça dos Três Poderes, a divulgação da conversa expôs mais uma vez a fragilidade no sistema de comunicação do presidente Jair Bolsonaro. A falta de confidencialidade transformou o que seria uma conversa privada com um congressista próximo em novo atrito nas relações institucionais. Embora haja suspeitas de que a divulgação tenha sido combinada previamente, não seria a primeira vez que o presidente, adepto de celular pessoal para conversas com políticos e pessoas de sua confiança, tem diálogos expostos – em alguns casos, por ele próprio.
Orientado pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Bolsonaro troca de número de celular com alguma frequência. Contudo, a maneira como interage com a tecnologia deixa brechas para contratempos. O presidente gosta de usar um dispositivo pessoal para receber e fazer ligações e para trocar mensagens com aliados, o que não é recomendado pela inteligência do governo. O aparelho celular disponibilizado pela Abin, o Terminal de Comunicação Segura (TCS), é repleto de restrições e não permite a instalação de aplicativos externos.
Mas Bolsonaro gosta do WhatsApp. Embora não recomendado, ele usa o aplicativo para liderar o governo. É com ele que interage com a equipe, dá ordens, encaminha denúncias e até coordena a sua “Abin paralela”, formada por agentes de segurança nos Estados que lhe abastecem pela manhã com informações reservadas. Kajuru nega que o telefonema para tratar da CPI da Covid tenha sido um “teatro”. O senador Flávio Bolsonaro entrou com uma representação contra Kajuru, que pode ser expulso de seu partido, o Cidadania, da base governista.