O imaginário coletivo não suporta a noção de decadência. A vida necessita da crença de que amanhã será melhor e, de forma inconsciente, alimenta uma espécie de otimismo mágico segundo o qual a mudança virá, mesmo que ela não se apóie em nenhuma opção concreta. As coisas não estão bem em Campo Grande e tampouco há garantias que reencontraremos o caminho. Ainda assim guardamos essa esperança irrefletida, sonâmbula, quase ingênua no progresso, como se as coisas pudessem resolver-se sozinhas. O despertar da consciência política precisa ganhar forma num amplo projeto de reformas que possam reconstruir Campo Grande.
A construção do consenso em torno deste projeto terá que ser a maior obra política do próximo prefeito (ou prefeita). Ele precisará apresentar a sociedade um “mapa do caminho”, convencer as pessoas da necessidade em adota-lo, e seguir com coragem e liderança – sobretudo porque os ajustes implicarão sacrifícios de todos. O primeiro deles será reequilibrar o orçamento público e, com isso, retomar a capacidade da prefeitura em prestar os serviços sociais básicos e investir.
A sociedade rejeita, com razão, o aumento de recursos ao município via impostos. A carga tributária já é elevada e a prefeitura conta com um orçamento de R$ 3,45 bilhões para 2016 – o que significa quase R$ 4 mil anuais por habitante. Para fazer mais, a administração municipal terá que apostar no profissionalismo da gestão, renegociar contratos, enxugar pessoal, eliminar desperdícios, regalias, distorções salariais, combater a sonegação e a corrupção. Os recursos existem, mas são tornados insuficientes pela mão esperta e frouxa.
Vejamos, por exemplo, o orçamento da saúde, de cerca de R$ 1,2 bilhão para 2016. Quando dividido pelo número de usuários potenciais do SUS da capital, resulta em aproximadamente R$ 150 por pessoa a cada mês. Não é muito, mas também não é pouco: esse valor é praticamente o mesmo que os servidores do governo do Estado pagam, em média, para ter direito ao seu plano de saúde, que dá cobertura completa de internação nos hospitais privados da capital. É a prova de que dá pra fazer mais com o dinheiro existente.
Enquanto isso, a Santa Casa agoniza. Com um déficit de R$ 2,5 milhões mensais, a entidade encontra-se sucateada e com menos leitos do que dispunha no passado. De fato, ao final da década de 1990, Campo Grande possuía cerca de 4,1 leitos hospitalares por cada grupo de mil habitantes, contra 2,7 hoje. Se quiséssemos voltar ao patamar de outrora, teríamos que construir quase 1.200 leitos hospitalares, o que equivale a duas Santas Casas ou quatro hospitais do tamanho do Regional. Gasta-se mais com a saúde do que no passado, mas a estrutura de atendimento é inferior.
O orçamento da educação também é expressivo. Em outra ocasião, apontei que os cerca de R$ 765 milhões disponíveis significam um gasto mensal de quase R$ 742,00 por aluno da rede pública municipal – mais do que a média das mensalidades escolas privadas do ensino fundamental de Campo Grande, estimada em R$ 550,00 (com os “kits escolares” e merenda, chega-se a R$ 700,00). Vivemos o paradoxo de um orçamento rico contrastando com uma educação pobre, causada por um modelo escolar em profunda crise estrutural. Nele, o admirável esforço dos professores se dissolve em meio a distorções e problemas de gestão.
O otimismo sem um projeto é ingênuo; um projeto sem otimismo é inócuo. Na luta contra o pessimismo precisamos encontrar caminhos concretos de superação, conciliando esperança e consciência. Esta trajetória virtuosa não me parece colocada, até o momento, pelos “favoritos” ao poder. Uma ruidosa discussão de nomes precede o debate de ideias – e cidade real vai ficando distante, esmaecida, até tornar-se invisível ao egoísmo da classe política. O pesadelo da decadência, tão opressivo e verdadeiro, precisa nos despertar para a vontade de reconstrução.
PEDRO PEDROSSIAN NETO, economista, professor e mestre em Economia Política pela PUC-SP