No dia 13 de março, a cidadania deverá ir novamente às ruas. Será a quarta marcha mobilizada pelo sentimento contra a corrupção e pelo impeachment da presidente Dilma. Essas marchas, nos três últimos eventos, tiveram declínio de participantes, embora as pesquisas mostrem o crescente descontentamento com o quadro político, social e econômico do País. Qual a razão desse paradoxo?
Enxergo, pelo menos, três razões intimamente interligadas. A condução sectária do movimento, a falta de foco e a arrogância política dos seus condutores. Essas posturas diferem em tudo do que levou ao sucesso as grandes manifestações históricas que deram certo no Brasil, como a Campanha pelas Diretas e o Fora Collor. É certo que o Brasil dessas campanhas vitoriosas era muito diferente do País atual, fortemente influenciado pela organização da cidadania por meio das mídias sociais. Se as formas de mobilização mudaram, as experiências políticas anteriores, a meu ver, continuam válidas.
O sectarismo transformou uma causa nacional ampla da cidadania em briga entre fanáticas e despreparadas torcidas organizadas. As mídias sociais, que potencializam a convocação, se transformaram em locais de “briga de rua” virtual. Um dos sinais dessa radicalização, do lado de cá, é o inaceitável bulling pessoal, imposto a personagens envolvidos em escândalos, que são cercados, perseguidos e humilhados. A ofensa pessoal pode dar um contentamento momentâneo às nossas frustrações políticas, mas não é atitude politizada, é intolerância pura e perigosa. Lembra-me episódios de humilhações nazistas aos judeus, coisa degradante e na contramão da civilização. Vade retro.
As palavras de ordem são desfocadas do objetivo principal, reproduzem formulações que são elaboradas por movimentos centralizados que têm objetivos pouco conhecidos. Pior ainda, são acriticamente reproduzidas e amplificadas por lideranças locais, no geral, despreparadas. É bom que se diga que as mídias sociais, importantes instrumentos de mobilização da cidadania, não são os melhores lugares para refinar pensamento político.
O grito mobilizador tem de ser amplo e não causar desconforto aos participantes, muitos dos quais não se sentem representados, outros tantos nem comparecem, em razão da ignorância e do primarismo político predominante. Essas palavras de ordem jogam, pela direita, o mesmo papel desmobilizador dos “black blocs”, da esquerda anarquista. É necessário que as palavras de ordem sejam agregadoras, capazes de representar integralmente todos que estão solidários com a campanha de moralização da política.
Um dos exemplos do despreparo e da arrogância política do movimento é a rejeição à participação dos políticos e dos partidos políticos favoráveis ao impeachment. As ruas, importantes e legítimas na democracia, não governam e não votam leis. Tanto é assim que os movimentos acabam acampados nos gramados do Congresso Nacional ou fazendo pressão pelos votos dos parlamentares. O papel mais importante da democracia direta das ruas é o de pressionar e qualificar a representação política institucional. É importante chamar atenção que os partidos da oposição e muitas personalidades destacadas estão também convocando, de maneira organizada, a presença nas ruas no dia 13.
Percebo nesse comportamento, pretensamente apartidário, um oportunismo enrustido de querer, com o impeachment, aproveitar para conduzir o País a uma política reacionária ou a soluções golpistas e autoritárias. Sob a sombra desses movimentos, já se organizam candidaturas presidenciais, novos partidos políticos, bem como filiações partidárias e lançamento de candidatos nas próximas eleições. O maior desafio que está posto é o de abrir a participação para todos os que estão pelo impeachment, para que lá aparecerem, se manifestem e se comprometam. Gostaria de ver uma próxima manifestação com todas as bandeiras contra a corrupção e pelo impeachment.
Povo na rua sim, basta à corrupção sim, impeachment sim, mas sem manipulação. É necessário responsabilidade política, palavras de ordem que unam e que construam compromissos com a solução da crise pela via democrática e republicana.
FAUSTO MATTO GROSSO, professor da UFMS e engenheiro. Artigo publicado no jornal Correio do Estado