Identificação e prisão de mandantes só aconteceu após troca de governo e investigações mais rigorosas
Após seis anos de arrastadas e boicotadas investigações, enfim o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol) e seu motorista Anderson Gomes está esclarecido em seu mistério mais importante: quem encomendou o crime. Por meio de delações do ex-policial militar Ronnie Lessa e de uma investigação rigorosa patrocinada pelo Ministério da Justiça e executada pela Polícia Federal, três pessoas presas no domingo, 24, foram apontadas como idealizadoras da execução.
Para chegar aos delatados por Lessa, as investigações só alcançaram efetivas pistas após as determinações e providências enérgicas do ministro da Justiça, Flávio Dino. Desde que foi nomeado pelo presidente Lula para o ministério, Dino – agora ministro do Supremo Tribunal Federal – chamou a responsabilidade de elucidar o caso, dando carta branca e mobilidade total à PF. Já de início constatou-se que as investigações conduzidas pela polícia carioca se arrastaram durante quatro anos sem grandes avanços e diversas falhas operacionais.
DELAÇÃO
Réu confesso pelos tiros que silenciaram Marielle e Anderson na noite de 14 de janeiro de 2018, Lessa fez acordo de delação premiada na prisão e forneceu as pistas e indícios que levaram a polícia ao conselheiro Domingos Brazão, do Tribunal de Contas; seu irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil); e o ex-diretor-geral da Polícia Civil do RJ, Rivaldo Barbosa. Um detalhe que chamou a atenção: Barbosa – cuja condução ao cargo foi por meio do general Braga Neto, ex-candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022 – tomou posse um dia antes do crime.
No domingo mesmo o trio denunciado foi enviado para o Presídio Federal, em Brasília, em caráter de prisão preventiva. Nesta segunda-feira, 25, a partir da meia-noite, a Primeira Turma do STF fará uma sessão virtual para decidir se mantém as prisões preventivas ou mudam o regime de custódia. Barbosa, que chefiou a Polícia Civil do Rio e teria atuado para protegê-los.
A família Brazão pertence a um importante grupo político do Rio. Ex-deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Domingos é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), cargo do qual ficou afastado depois de ser preso, em 2017, na Operação Quinto do Ouro, acusado de receber propina de empresários.
Chiquinho Brazão, deputado federal, foi empresário e comerciante. Já o delegado Rivaldo Barbosa vinha desempenhando a função de coordenador de Comunicações e Operações Policiais da Polícia Civil. Chamada Murder Inc, a operação da PF englobou 12 mandados de busca e apreensão na sede da Polícia Civil e no Tribunal de Contas.
CIDINHA
A ex-deputada estadual e jornalista Cidinha Campos, é uma das pessoas que denunciaram os irmãos Brazão por crimes e ameaças. Em 2004, acusou Chiquinho Brazão de liderar um esquema de uso eleitoral no Hospital Curupaiti, em Jacarepaguá. Ao se confrontarem na Assembleia Legislativa (Alerj), Brazão e Cidinha trocaram ofensas e acusações.
Em 2014, em inflamada discussão, Cidinha foi chamada por Brazão de vagabunda e puta. Ela retrucou: “É melhor ser puta do que matador e ladrão”. Em seguida, Domingos Brazão disse: “Mando matar vagabundo mesmo. Sempre mandei. Mas vagabundo. Vagabunda ainda não mandei matar”.
Marielle Franco foi morta porque contrariava interesses dos Brazão, que ergueram poder político e financeiro alicerçados pela atuação ostensiva da milícia. Um dos incômodos criados por Marielle eram a denúncia de uma disputa imobiliária: os Brazão tinham interesse em fazer loteamentos na zona oeste do Rio, e Marielle se opunha ao empreendimento. O assassino Ronnie Lessa receberia terrenos como pagamento pelo crime.