Ministro do STF lista em decisão ‘diversos e fortíssimos’ indícios de falhas na atuação dos órgãos de segurança pública do Distrito Federal, sob responsabilidade de Ibaneis Rocha
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, determinou neste domingo, dia 8, o afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), do cargo. Moraes suspendeu Ibaneis da função pública pelo prazo de 90 dias. O ministro também determinou a “dissolução total”, em no máximo 24 horas, dos acampamentos antidemocráticos no entorno de quartéis em todo o País.
A decisão de Moraes ocorreu depois dos ataques de extremistas às sedes dos três poderes em Brasília, sem que houvesse uma imediata repressão das forças de segurança pública do Distrito Federal. Ao contrário, o ministro registra na decisão cenas de conivência. Moraes afirma que “diversos e fortíssimos indícios apontam graves falhas na atuação dos órgãos de segurança pública do Distrito Federal, pelos quais é o responsável direto o governador”.
O ministro listou, entre outros fatos noticiados pela imprensa, a escolta da marcha golpista formada por “terroristas e criminosos” e a falta de “resistência exigida para a gravidade da situação”, como policiais que abandonaram posição na barreira policial para tomar água de coco, como revelou o Estadão. Segundo Moraes, parte do efetivo da Polícia Militar filmou “de forma jocosa e para entretenimento pessoal” os crimes.
Outro motivo foi a demissão do secretário de Segurança Pública Anderson Torres, ex-ministro da Justiça no governo Jair Bolsonaro, enquanto “atos terroristas ainda estavam ocorrendo”. A Advocacia-Geral da União havia pedido a prisão do agora ex-secretário Anderson Torres, mas Moraes respondeu que a responsabilidade de Torres “está sendo apurada” em separado.
O magistrado disse que “o descaso e a conivência” de Torres “só não foi mais acintoso do que a conduta dolosamente omissiva” de Ibaneis Rocha. Ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no DF, o governador acabou de iniciar seu segundo mandato, tendo sido reeleito no primeiro turno.
O Estadão apurou que Ibaneis foi alertado várias vezes por auxiliares de que não deveria nomear Torres por causa da ligação dele com Jair Bolsonaro, mas não seguiu a recomendação. Foi o próprio Ibaneis quem fez Torres ministro da Justiça do ex-presidente. Quando era secretário de Segurança do Distrito Federal, antes de virar ministro, Torres atuou para proteger o governador de investigações – daí sua insistência para levá-lo de volta ao cargo.
De acordo com a decisão de Moraes, “a escalada violenta” somente poderia ocorrer” com a anuência, e até participação efetiva, das autoridades competentes pela segurança pública e inteligência. O ministro apontou três causas da “omissão e conivência de diversas autoridades”: ausência de policiamento necessário, autorização para que mais de 100 ônibus chegassem a Brasília e “a total inércia” no encerramento do “acampamento criminoso” na portal do quartel-general do Exército “quando patente que o local estava infestado de terroristas”.
Moraes afirmou que o afastamento de Ibaneis é “medida razoável, adequada e proporcional para a garantia da ordem pública”. O ministro citou “fortes indícios” de que o governador do DF é, “no mínimo, conivente com associação criminosa voltada a atos terroristas” e que a omissão é “estarrecedora”. Ele considerou que o governador poderia “dificultar a colheita de provas” e “obstruir a instrução criminal, direta ou indiretamente”, pela destruição de provas e de intimidação a servidores públicos.
Os atos dos extremistas eram “uma verdadeira tragédia anunciada”, registrou o ministro, uma vez que as convocações foram públicas pelas redes sociais e por aplicativos de mensagens. Como mostrou o Estadão, havia convocações em aplicativos de mensagens e redes sociais para caravanas, ao menos, desde 3 de janeiro.
“A democracia brasileira não irá mais suportar a ignóbil política de apaziguamento, cujo fracasso foi amplamente demonstrado na tentativa de acordo do primeiro-ministro inglês Neville Chamberlain com Adolf Hitler”, escreveu Moraes.
Mais cedo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia decretado uma intervenção federal sobre a segurança pública do Distrito Federal, o que transfere o controle do aparato policial em Brasília para o governo federal.
Moraes proibiu a entrada de ônibus ou caminhões com manifestantes em Brasília. A medida vale até o dia 31 de janeiro, mesmo prazo, de início, da intervenção, que pode ser postergada.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, indicou como interventor o secretário-executivo da pasta, Ricardo Capelli, que já trabalha em medidas como a participação das Forças Armadas na segurança de prédios públicos. Dino admitiu falhas, tanto do governo federal quanto do distrital, mas disse que não havia em cursos medidas para afastar Ibaneis do cargo.
Na decisão, o ministro afirma que o “comportamento ilegal e criminoso” dos extremistas não se confunde com o “direito de reunião ou livre manifestação de expressão”. Segundo Moraes, a postura dos radicais tem a contribuição da “omissão, conivência e participação dolosa de autoridades públicas (atuais e anteriores) para propagar o descumprimento e desrespeito” com o resultado das eleições.
“Os desprezíveis ataques terroristas à Democracia e às Instituições Republicanas serão responsabilizados, assim como os financiadores, instigadores e os anteriores e atuais agentes públicos coniventes e criminosos, que continuam na ilícita conduta da prática de atos antidemocráticos”, afirmou.
Além do afastamento de Ibaneis, Moraes determinou medidas cautelares compulsórias para debelar atos criminosos praticados por grupos de direita mobilizados nacionalmente e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. O magistrado ordenou a desocupação e a dissolução total dos acampamentos nas imediações unidades militares do Exército para a prática de atos antidemocráticos e prisão em flagrante de seus participantes pela prática dos seguintes crimes: atos terroristas, inclusive preparatórios, associação criminosa e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.