Nunca um presidente pagou uma fatia tão grande do Orçamento da União para emendas parlamentares. Em 2021, Jair Bolsonaro separou R$ 33,4 bilhões para garantir seu pescoço, que efetivamente viraram R$ 25,1 bilhões pagos de fato. A dinheirama foi liberada para redutos eleitorais de deputados e senadores do Centrão, que garantem a manutenção do seu governo.
Com a consolidação do Orçamento Secreto, ainda que suspenso oficialmente por ordem do STF, que destina valores exorbitantes por meio das difusas emendas do relator, essa distribuição de dinheiro público para ter o apoio de membros do Congresso Nacional tornou-se ainda mais acentuada e, sem dúvidas, mais atrativa para quem está buscando vender votos do interesse do governo.
Nunca o Congresso ficou com uma mordida tão grande do bolo financeiro usado pelo governo federal para investir anualmente no país.
Em 2022, ano de eleição para um presidente que quer de qualquer maneira garantir mais um mandato, a estimativa do montante destinado para as emendas parlamentares do Centrão é ainda maior: R$ 37 bilhões.
Por fim, cabe lembrar que as más notícias seguem chegando. No último dia 13, Jair Bolsonaro emitiu um decreto que tirou a decisão final sobre o Orçamento das mãos do Ministério da Economia, comandado por Paulo Guedes, para dar esse poder a à Casa Civil, chefiada pelo senador licenciado Ciro Nogueira (PP-PI), liderança máxima do Centrão no governo.
As emendas são indicações feitas por parlamentares de como o Executivo deve gastar parte do dinheiro do Orçamento. Elas incluem desde obras de infraestrutura, como a construção de uma ponte, por exemplo, até valores destinados a programas de saúde e educação. Contudo, o dinheiro foi utilizado nos últimos anos também para comprar tratores com sobrepreço, o chamado “tratoraço”, e integrantes do próprio governo admitem que há corrupção envolvendo a liberação desses recursos.
Apesar de ter sido eleito com o discurso de que não praticaria o “toma lá, da cá” – liberação de verbas em troca de apoio parlamentar – os números também mostram que no ano passado Bolsonaro usou a prática comum na política brasileira: acelerou a liberação de dinheiro quando precisou de apoio dos parlamentares. O caso mais evidente foi na votação da PEC dos Precatórios, que abriu caminho para criar o Auxílio Brasil, programa social que o presidente vai usar como bandeira eleitoral para tentar se reeleger. Na véspera da votação, em novembro, o governo destinou R$ 1,2 bilhão dos cofres públicos para atender aos interesses dos congressistas.
Além disso, o governo priorizou aliados até na hora de liberar as chamadas emendas individuais, aquelas previstas na Constituição e que garantem a mesma quantia para todos os congressistas. Parlamentares de partidos do Centrão, como o PL — ao qual Bolsonaro se filiou –, o Republicanos e o Progressistas tiveram cerca de 70% dos valores destinados a eles pagos no ano passado. Em contrapartida, legendas de oposição e mais críticas ficaram para trás. PCdoB (44%), Novo (34%) e PSOL (31%) foram os que menos tiveram recursos liberados em relação ao total aprovado. PT, DEM e PSL aparecem no meio do caminho.
Aliados atribuem o resultado ao caráter dos recursos que apresentaram. Parlamentares da base argumentaram que usam as emendas para irrigar programas capitaneados pelos próprios ministérios, o que agiliza o pagamento. Além disso, os governistas foram os que mais indicaram recursos pelas transferências especiais, apelidadas de “emenda cheque em branco” e “PIX orçamentário”, modalidade em que o dinheiro cai diretamente na conta das prefeituras, sem passar pelos ministérios. O mecanismo é mais uma forma nebulosa de deputados e senadores enviarem recursos públicos para suas bases eleitorais com pouca transparência e sem fiscalização federal.
“Existe essa história de que, por ser da base, o cabra é mais favorecido. Deveria ser, mas o que eu ouço nos corredores é que às vezes os da oposição tiveram até mais. Os ministérios atendem todo mundo, não consigo ver essa distorção toda”, afirmou o deputado governista Vaidon Oliveira (PROS-CE), que em três meses conseguiu empenhar 99% de suas emendas, ao indicar recursos para o Ministério da Saúde e do “cheque em branco” para municípios do Ceará.
VELOCIDADE
Com os números, é possível observar ainda que, ao longo do ano, deputados da base conseguiram recursos mais rapidamente. As emendas começaram a ser liberadas em maio, após o atraso na aprovação do Orçamento. Até julho, PTB, PROS, MDB, PSD, Republicanos, PL, Progressistas e DEM formaram o grupo de deputados que mais tiveram emendas empenhadas, ou seja, liberadas no Orçamento, uma fase anterior ao pagamento. Esses garantiram mais da metade dos recursos em três meses.
“Como determinados parlamentares direcionam recursos para dar continuidade a projetos durante seu mandato, esse repasse tem que ser o mais rápido possível para não criar uma paralisação”, afirmou o governista Luiz Lima (PSL-RJ), que teve 95% das suas emendas pagas até julho, incluindo verbas para o Instituto Léo Moura, administrado por um aliado.
Quem ficou para trás reconhece que ser aliado ao governo facilita na hora de enviar recursos às suas bases eleitorais. “Não me sinto perseguido, mas sei que (as liberações de emendas) não andam na velocidade que andariam se eu fosse da base”, afirmou o líder do Novo na Câmara, Paulo Ganime (RJ).
No Senado, onde a base do governo é menor, também é possível ver uma diferença: parlamentares do DEM, com maioria governista, tiveram o maior volume de emendas pagas, 85%. O Podemos, crítico ao Executivo, ficou na “lanterna”, com 45%.