Em matéria com o título ‘A construção de fake news: o relatório do TCU’, publicado por Veja em 09/06/2021, o jornalista Ricardo Rangel aborda a técnica do presidente Jair Bolsonaro para abastecer seu arsenal de notícias falsas e assim implementar um método inescrupuloso de ganhar notoriedade e desqualificar as pessoas, os fatos e as ideias contrárias.
Eis o teor do texto de Ricardo Rangel: “Fake news não é mentira. Ou, ao menos, não se restringe a mentira, as melhores fake news são verdades, meias verdades, e mentiras vagas, usadas para transmitir uma tese 100% falsa. Veja-se o caso do ‘relatório’ do TCU.
Um auditor do TCU, bolsonarista e próximo à família, produz um ´relatório´ dizendo que metade dos mortos registrados como vítimas de Covid morreu de outras causas. Ocorre que a causa mortis desses óbitos foi SRAG, AVC, pneumonia, etc. provocadas por… Covid. Ou seja, a frase não é 100% falsa, mas transmite uma tese 100% falsa. Fake news de boa qualidade.
O presidente da República, então, declara que o TCU preparou um relatório dizendo que ´em torno de 50% dos óbitos de 2020 por Covid não foram por Covid´. O ´relatório´ não foi preparado ´pelo TCU´, mas o auditor bolsonarista pertence aos quadros do TCU, de modo que é fácil confundir. Fake news sobre fake news: melhor impossível.
Desmascarado, Bolsonaro pede desculpas, mas o faz de maneira confusa, admitindo o ´erro´ bobo de confundir tabela com acórdão, e evolui para denunciar a imprensa por atacá-lo por uma bobagem e conclui afirmando que ´tudo indica´ que os óbitos estão sendo mesmo super notificados. Mistura uma verdade irrelevante e uma calúnia vaga para alcançar a mentira completa: fake-news sobre fake news sobre fake news. É a perfeição.
EQUÍVOCO
Os distraídos exultam com a ´admissão de culpa´ do presidente, mas a mensagem que os bolsonaristas recebem é que Bolsonaro cometeu um equívoco irrelevante sobre alguma tecnicalidade qualquer, que a doença não é mesmo tão grave, e que os números estão, sim, sendo inflados por uma conspiração da esquerda, do ´sistema´ e da imprensa para prejudicar o Mito.
Se o Brasil fosse um país sério, o auditor seria expulso do TCU e processado criminalmente por fraude com o intuito de cometer crime contra a saúde pública, e Bolsonaro seria obrigado a pedir desculpas em regra sob pena de sofrer um processo de impeachment.
Mas o Brasil é o Brasil, é improvável que o auditor sofra mais do que uma suspensão sem prejuízo do salário. E nada acontecerá com o presidente. E, por isso mesmo, coisas assim continuarão a acontecer diariamente”.