Uma imagem que parecia destinada a desaparecer da cena campo-grandense volta a ganhar visibilidade: favelas e sub-habitações no mapa urbano da cidade. Acabar com as favelas ainda é uma das expressões mais equivocadas do cenário político e administrativo de um País que ainda prefere o paliativo à cura para o mal, que é combater e acabar com as causas da pobreza e das desigualdades socioeconômicas.
De acordo com a filiada estadual da Central Única das Favelas (Cufa), não procede a versão de que Campo Grande já chegou ao nível de cidade desfavelada, condição que o próprio prefeito Marquinhos Trad (PSD) chegou a divulgar. Segundo a psicóloga da Cufa-MS, Tatiana Samper Lovato, trata-se de um equívoco. “A Central está presente em 34 das 37 favelas da Capital, atendendo cerca de 15 mil pessoas”, diz. São famílias com crianças, gestantes, idosos e pessoas com deficiência, que vivem sob condições de extrema pobreza e vulnerabilidade social em barracos localizados na periferia.
Levantamentos informam que num período de quase 10 anos Campo Grande dobrou o número de favelas e hoje tem de 37 a 38 ocupações. Em 2011, a prefeitura contabilizava a existência de 16 ocupações e agora contabiliza um crescimento de 57%. Além da insuficiência de oferta dos programas habitacionais, fatores como o desemprego e a crise econômica provocada pela pandemia de Covid-19 incentivaram um processo de ocupação de áreas públicas em vários pontos urbanos, sobretudo nas proximidades de córregos e terrenos com imensos espaços vazios na periferia.
MUDANÇA
A expansão imobiliária e o crescimento frenético da Capital de Mato Grosso do Sul vão engolindo os espaços em que famílias de sem-teto montam seus barracos improvisados com qualquer tipo de material, em condições precárias de habitabilidade. Quando se retira as famílias para alojá-las em núcleo habitacional definitivo, o drama social transforma-se em solução à falta de moradia.
Foi o que aconteceu com os moradores da Cidade de Deus e acontecerá na área da Favela do Mandela, que vai desaparecer com o prolongamento da Avenida Norte-Sul até o Bairro Nova Lima. Os moradores, já cadastrados pela Amhasf (Agência Municipal de Habitação e Assuntos Fundiários), serão reassentados em outro local.
AMOR E TEMPO
Psicólogos, artistas, jornalistas, professores e profissionais de outras áreas, em sua maioria jovens, dedicam boa parte de seu tempo e de suas próprias vidas em favor da vida do próximo – a vida de quem não tem um lar, desconhece o que seja habitação segura e geralmente distante de serviços essenciais como o saneamento básico ou a coleta regular de lixo. É neste panorama específico do mosaico urbano da cidade que atuam os integrantes da Cufa (Central Única das Favelas).
A Central se apresenta como “organização brasileira reconhecida nacional e internacionalmente nos âmbitos político, social, esportivo e cultural, que existe há 20 anos”, criada “a partir da união entre jovens de várias favelas, principalmente negros, que buscavam espaços para expressarem suas atitudes, questionamentos ou simplesmente sua vontade de viver”.
Em Campo Grande, no curso de várias intervenções de apoio e solidariedade às populações faveladas, a Cufa já é elemento associado à rotina da periferia. E faz a tarefa diversificada da convivência e da utilidade. Quando não é uma campanha de arrecadação e distribuição de alimentos, agasalhos, brinquedos e ovos de Páscoa, pode ser uma atividade esportiva, artístico-cultural, de lazer, entretenimento e recreações.
A Cufa está intimamente ligada a algumas das manifestações mais destacadas da agenda alternativa de arte popular produzida nos bairros e favelas, como as danças (hip-hop, break, rap, entre outras), música e teatro, além da literatura e de projetos sociais e de saúde. E, mais importante: conscientiza sobre a importância da luta pela moradia, contra os preconceitos e por dignidade.