Aquela versão segundo a qual o mais fraco sempre paga o pato é totalmente verdadeira quando estão frente a frente as concessionárias de serviços essenciais e os consumidores. Estes acabam sempre pagando o pato, ou pior, transformam-se nos únicos patos da história, porque são obrigados a cumprir as regras perversas desse jogo desigual, caso não queiram ficar desprovidos de energia elétrica, água, telefone, Internet.
No caso da conta de luz as bordoadas não têm limite. Há abuso dia sim, dia sim também. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) decidiu reajustar em 52% o valor da bandeira vermelha patamar 2 das contas de luz a partir deste mês de julho. Com isso, a cobrança adicional nas tarifas passa de R$ 6,24 para R$ 9,49 a cada 100 kWh (quilowatt-hora) consumidos. A agência reguladora quer forçar o povo a reduzir o consumo, no momento em que o país passa pela pior crise hídrica em 91 anos, que tem afetado fortemente o nível dos reservatórios hidrelétricos.
CHOQUE DE PREÇOS
Tudo converge para atender os interesses das gananciosas concessionárias e da própria Aneel. O choque de preços nas contas de luz acontece num
momento em que o país acumula alta de 87% no preço do óleo de soja, 52% no arroz, 38% nas carnes, 31% no feijão preto, 10% no leite e 24% no gás de botijão, sempre em 12 meses acumulados até maio, conforme o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
Para Edvaldo Santana, diretor da Aneel entre 2005 e 2013, um reajuste dessa magnitude configura um “racionamento via preço”, ainda que o governo negue o uso do termo “racionamento”, de olho nas eleições de 2022. Fábio Romão, especialista em inflação da LCA Consultores, destaca que o aumento nas contas de luz é uma política “regressiva”, isto é, tem peso proporcionalmente maior no bolso da população mais pobre do que para os mais ricos.
Além disso, a população de maior renda tem mais margem para ajustar seu consumo, por fazer uso de itens eletroeletrônicos e eletrodomésticos supérfluos, cujo uso pode ser reduzido para diminuir a conta de luz. Os mais pobres consomem quantidade muito menor de energia e terão mais dificuldade para economizar diante do reajuste.
IMPACTO
Romão calcula que a alta de preços da bandeira vermelha das contas de luz deve ter um impacto de 0,23 ponto percentual sobre o IPCA deste ano, supondo que a bandeira se mantenha nesse patamar até dezembro. Com isso, a inflação oficial deve fechar 2021 em alta de 6,4%, na estimativa da consultoria. Nesse cenário, a inflação para o ano se afasta da meta estabelecida pelo CMN (Comitê Monetário Nacional), que é de 3,75% para 2021, e até do teto da meta, cujo limite é de 5,25%.
Caso a inflação feche o ano acima do teto da meta, como parece mais provável, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, terá que mandar uma carta ao ministro da Economia, Paulo Guedes, explicando porque o alvo não foi atingido. Romão estima que, com o efeito da alta de preços da energia, o IPCA acumulado em 12 meses pode subir dos 8,06% registrados até maio, para 8,5% em junho e atingir um pico de 8,7% em julho.