No último dia 22, o desembargador Carlos Eduardo Contar tomou posse da presidência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Mesmo na pandemia, a douta instituição achou por bem, pela relevância do acontecimento, realizar um ato solene no Palácio da Cultura, reunindo centenas de pessoas.
O novo presidente do TJ/MS julgou ser necessário ou oportuno fazer um pronunciamento de impacto, ancorado no tema da pandemia da Covid-19 e os seus contextos pontuais, como o combate medicamentoso e as informações da mídia. O digníssimo desembargador deve ter achado supimpa o próprio discurso, até porque recebeu elogios do presidente da República, Jair Bolsonaro.
Um pouco do que pensa e disse o presidente do Tribunal sobre o Brasil da pandemia: reprova o distanciamento social, quer a volta ao trabalho para encerrar o que chama de “palhaçada midiática fúnebre”, tacha de picaretas, irresponsáveis e covardes os que ficam em casa para evitar risco de contágio, enfatiza que a mídia faz uma “palhaçada midiática fúnebre” e que o rebanho é conduzido ao matadouro “daqueles que veneram a morte, que propagandeiam o quanto pior, melhor”.
Nos considerandos ao Código de Ética da Magistratura Nacional, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) frisou rumos e princípios conceituais a serem observados pelos magistrados. O Código é um instrumento “essencial para os juízes incrementarem a confiança da sociedade em sua autoridade moral e traduz o compromisso institucional com a excelência na prestação do serviço público de distribuir Justiça e fortalecer a legitimidade do Judiciário”.
O Conselho vê no Código um mecanismo para fortalecer a legitimidade do Judiciário. Diz ser essencial à magistratura cultivar os princípios éticos, “pois lhe cabe também uma função educativa e exemplar de cidadania”. A Lei – continua – veda ao magistrado “procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções” e comete-lhe o dever de “manter conduta irrepreensível na vida pública e particular”.
Sem cair em discursiva análise, mas na esteira do respeito e da civilidade, uso o direito da crítica e da indignação diante do infeliz pronunciamento, optando por perguntar aos leitores da FOLHA, esperando respostas desamarradas de paixões: os mandamentos do Código de Ética, qualificados pelo olhar republicano do CNJ, estariam por acaso inscritos nas opiniões e achismos emitidos na polêmica fala do desembargador?
O brado negacionista de Contar reverbera no País. A OAB e dezenas de entidades condenam o conteúdo do discurso de posse, que por outro lado tem o apoio dos fiéis do bolsonarismo. No frigir dos ovos, sei que tem muito omelete para dar sustança ao exército de pessoas que cometem a picaretagem, a covardia e a irresponsabilidade de lutar pelo direito à vida.