Casos como o de João Alberto só alcançam grande repercussão porque são gravados. Longe das câmeras, negros (soma de pretos e pardos, de acordo com a classificação adotada pelo IBGE) representam 75,7% das vítimas de homicídios no Brasil. Os dados são do Atlas da Violência 2020, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base em dados coletados entre 2008 e 2018.
Significa que para cada ‘não negro’ (brancos, amarelos e indígenas) assassinado, são mortos 2,7 negros – quase o triplo. As negras representaram 68% do total das mulheres assassinadas no Brasil, com uma taxa de mortalidade por 100 mil habitantes de 5,2. Quase o dobro quando comparada à de mulheres não negras. O pensamento negacionista de Mourão converge com o do presidente da República, Jair Bolsonaro, e eles têm ajuda de um coral que é muito grande e preocupante no País.
Embora seja uma prática centenária, o preconceito de raça no Brasil só passou a ganhar visibilidade ampla nas décadas finais do século passado, a partir de 1980, com protestos ou denúncias nas músicas, peças teatrais, boletins policiais e avanços na legislação, como a tipificação do crime por discriminação ou injúria racial. Um dos exemplos mais recentes em âmbito nacional foram as ameaças de morte dirigidas por um grupo de extrema-direita à primeira mulher negra eleita vereadora em Joinville (SC), a professora Ana Lúcia Martins (PT).
Em Mato Grosso do Sul, nos anos 1980, a eleição de um negro – o empresário Valdeci Batista – para presidir o Rádio Clube, instituição social de entretenimento e lazer, instalou calorosa polêmica em Campo Grande. No entanto, Valdeci assumiu e governou o RC com amplo apoio dos associados.
Todavia, as coisas estão longe de representar mudança de paradigma na cultura do racismo em território guaicuru. De acordo com o Anuário de Segurança Pública, atualizado em outubro de 2020 e com dados de 2019, no ano passado foram registrados 361 casos de injúria racial e 18 casos de racismo em Mato Grosso do Sul. É quase 1 um registro por dia.
IDOSA E JOVEM
Este ano, um dos casos de injúria racial envolveu uma idosa de 70 anos, moradora do Jardim Morenão. Ela procurou a polícia ao ser ameaçada de morte por ser negra e relatou que foi ameaçada por uma vizinha. A declaração ouvida foi de que a mulher seria capaz de dar um tiro na vítima porque “odiava preto”.
Uma jovem de 19 anos procurou a polícia na Capital ao ser ameaçada de estupro e esquartejamento. “Vou te cortar todinha depois de te estuprar”, disse o autor, após indagar: “Que preta é essa que não tá na escravidão?”. Em outubro, o motoentregador Edimar Oliver Peres de Souza, de 29 anos, denunciou cliente ao ser chamado de “preto” e “enrolado”, por causa de atraso na entrega do pedido.
“Ser preto no Brasil é carregar um carimbo de vulnerabilidade em que as pessoas se acham no direito de julgar você pela cor da pele”, declara a presidente da Comissão da Igualdade Racial da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) seccional em Mato Grosso do Sul, Silvia Constantino.