Considero Mulan um estudo de caso fascinante em termos de refazer um filme com base no material original existente. Dependendo de como você cresceu com a história, você pode se identificar mais com o conto popular chinês ou mais com o clássico icônico da Disney.
Essa dualidade torna este remake live-action difícil de revisar pois alguns amam mais o conto original e outros preferem a versão Disney/1998.
Digo que é difícil no sentido de que uma grande parte de nossa expectativa já foi amplamente moldada por algo que foi ocidentalizado. No filme de animação de 1998, Mulan passa por uma “jornada de herói”, onde ela cavalga para a guerra e treina no caminho para se tornar uma grande guerreira ao lado de seus companheiros – um enredo clássico contado com um pano de fundo chinês. Porém o conto de Mulan original a retrata como uma mulher já hábil na luta, que já aprendeu tudo de artes marciais, combate com espada e arco e flecha, mas deve escondê-lo devido ao seu status social e, claro, por ser mulher. Na verdade, ela se tornou general e liderou o exército chinês por 12 anos, sem que ninguém soubesse que ela era uma mulher até que ela mesma revelasse a verdade.
Este Mulan de 2020 é uma tentativa corajosa de recontar o conto popular original. Isso joga fora o alívio cômico americano. Isso joga fora as canções pop. Essencialmente, ele remove tudo que o público ocidental conhece. Esse Mulan nos desafia a encontrar algo novo para apreciar, e funciona muito bem.
Entre algumas adaptações, Mulan mantém sua premissa básica – Hua Mulan (Liu Yifei) é uma jovem corajosa que toma o lugar de seu pai e se apresenta como um homem para servir ao exército chinês, na esperança de derrotar os invasores de Rouran do Norte (agora liderados por Bori Khan em vez de Shan Yu).
Esta versão está muito mais interessada em momentos de auto-reflexão da personagem. É fácil transmitir a jornada de uma pessoa treinando e desenvolvendo suas habilidades e espírito de luta necessários; porém é muito mais difícil – e francamente, muito mais interessante – quando a pessoa já tem essas coisas, mas algo a impede. Com isso, vêm grandes mudanças fundamentais nos personagens.
Uma delas é sobre o pai de Mulan, Hua Zhou, interpretado pelo grande Tzi Ma. Tudo o que posso dizer é que o filme oferece a ele mais cenas com sua filha, permitindo-nos sentir ainda mais o amor de Mulan por seu pai e sua família. Isso permite que alguns momentos próximos ao final do filme sejam sentidos de uma maneira totalmente nova. E todas essas performances dos outros personagens são absorvidas e internalizadas por nossa estrela, Liu Yifei, que pra mim foi a escolha dos sonhos para Mulan. Ela vende a turbulência interna de Mulan em esconder a verdade e ser incapaz de mostrar ao mundo quem ela é, e ao mesmo tempo, ela comanda a tela com uma força tão elegante e importante.
Mas a verdadeira adição à história que salva a luta interna de Mulan de se tornar repetitiva é a introdução de Xian Lang (Gong Li), uma poderosa bruxa que muda de forma, para servir como seu contraponto. A relação entre Mulan e Xian Lang, as duas principais personagens femininas da trama, é tão fascinante que gostaria que mais do filme fosse sobre elas.
Mulan também se beneficia de aparecer na tela com uma gama deslumbrante de cores e atenção aos detalhes. Os designs de cenário e figurino alcançam um bom equilíbrio entre historicamente precisos e fantasiados como um mito. E mesmo com a maior parte da atenção do filme voltada para o drama humano, Caro oferece o suficiente dos grandes cenários de ação que esperamos em um remake live-action de Mulan. No geral, as cenas de ação destacam o admirável valor de produção do projeto. Atualmente é o filme mais caro já feito por uma diretora, e eu acredito que isso fica evidente. Cada local é bem executado com sua própria estética de cor distinta, e a ação que acompanha cada local é filmada e montada de forma coerente sem muita edição.
Com tanta atenção aos detalhes históricos e dedicação para ter um elenco totalmente asiático, eu quase queria que todo o Mulan fosse falado em mandarim.
Aqui, os produtores deram um grande passo em direção ao que era a lenda original, enquanto ainda mantinham a clássica celebração ocidental da individualidade e aceitação de si mesmo, e a capacitação emocional ainda funciona. Quando Mulan finalmente solta o cabelo e, metaforicamente e literalmente, tira a armadura, é o momento mais triunfante do filme. É a Mulher Maravilha cruzando a Terra de Ninguém. É o sabre de luz voando na mão de Rey. É a história que envolve a heroína, pois a heroína finalmente aceitou quem ela é.
Este Mulan, no papel, é uma história fundamentalmente diferente da versão de 1998 e pode atrair menos espectadores, pois o conflito é muito mais interno do que antes, mas o filme tem sucesso no que se propõe a fazer. A longo prazo, a versão de 1998 ainda sobreviverá a este remake, mas para mim, isso não é importante. O importante é que a juventude de hoje agora tem dois filmes distintos e emocionalmente estimulantes para crescer vendo.
5 pipocas!