Quando se trata de um filme de Spike Lee, seria tolice esperar uma zona livre de política. Lee é um cineasta ativista e nunca fingiu o contrário. Ele faz filmes que divertem e educam, mas, o mais importante, ele tenta desafiar. Alguns argumentaram que ele fala apenas para o público negro, mas eu argumentaria que ele está igualmente interessado em ser ouvido por telespectadores brancos. O problema é que alguns têm noções preconcebidas sobre Lee e sua mensagem e não estão dispostos a ouvir ou, se o fizerem, não querem ouvir..
É possível “superar a política” e só apreciar o filme?
Possivelmente não, porque os dois estão entrelaçados. Mas é possível assistir ao filme de uma perspectiva oposta e estar envolvido mesmo assim.
A Netflix tornou o lançamento de Destacamento Blood oportuno, pois chega como se fosse o destino final em um ponto de interrogação cultural, quando pessoas de todas as raças estão se engajando em um diálogo significativo sobre os mesmos temas raciais que o filme aborda. Esse foco não é um novo território para Spike Lee. Ele toca este tambor há décadas e, é raro um de seus filmes não se aprofundar em questões de relações raciais.
Destacamento Blood começa como um olhar pensativo – embora não necessariamente introspectivo, sobre como os soldados negros percebiam a Guerra do Vietnã através das lentes de meio século que se passaram desde seu auge. No olho da tempestade, era tudo sobre sobreviver e proteger os irmãos. Mas, a ironia amarga da experiência ficou clara: soldados negros estavam lutando e morrendo em um país estrangeiro por uma terra natal que os desvalorizava como pessoas e cidadãos. O filme oferece uma estatística reveladora: 11% da população dos Estados Unidos, por volta de 1970, eram negros, mas cerca de 35% dos homens que lutavam no Vietnã eram negros.
De cara Lee mostra o início dos anos 70 com uma série de sequências de flashback que lembram a Guerra do Vietnã pra nos botar a par do que será a aventura. Já a parte moderna da narrativa nos apresenta quatro sobreviventes do Vietnã: o jovial Melvin (Isiah Whitlock Jr.), o pensador Otis (Clarke Peters), o discreto Eddie (Norm Lewis) e o bravo e agressivo Paul (Delroy Lindo). O motivo do retorno ao país é localizar os restos mortais de seu capitão, Stormin ‘Norman (Chadwick Boseman) e recuperar um baú de barras de ouro da CIA que eles descobriram e esconderam na época da Guerra. Acompanhando os quatro soldados que retornam, está o filho de Paul, David (Jonathan Majors). Para ter sucesso em sua busca os soldados tem o auxílio de locais que de cara não parecem tão confiáveis assim – Tien (Le Y Lan), uma ex-prostituta que se relacionava com Otis; o útil guia turístico Vinh (Johnny Tri Nguyen) e um “empreendedor” estrangeiro (Jean Reno). No caminho ainda conheceram uma francesa idealista, Hedy (Melanie Thierry), envolvida na remoção de minas terrestres.
Quanto mais fundo entramos no filme, fica mais claro que isso é uma homenagem a filmes como Apocalypse Now, que é explicitamente referenciado aqui.
Destacamento Blood se utiliza de uma montagem que lembra as lutas pelos Direitos Civis da década de 1970. Vemos Muhammed Ali, Martin Luther King e Malcolm X, entre outros e em itálico Lee apresenta seu argumento: a hipocrisia dos homens negros que travam a guerra da América no Vietnã, enquanto seus irmãos dos EUA lutam para ter igualdade de condições em sua própria casa.
Para os flashbacks, Lee opta por não descartar os atores. Nas cenas antigas eles mesmos interpretam seus personagens como se fossem mais novos. Não tem nada de efeitos rejuvenescedores. Para ajudar a diferenciar as cenas da época da guerra e as que acontecem nos tempos modernos, Spike Lee muda as proporções da tela. O material da década de 1970 é apresentado 33: 1, enquanto que o material da década de 2010 é em 35: 1.
Os temas e as mensagens de Destacamento Blood são entregues com o poder de uma marreta, e a narrativa geral foi feita para chocar. O roteiro é redondo e repleto de artifícios que mudam o tom para melhor nos explicar seu argumento.
Este é um trabalho de paixão e raiva, e transmite pontos no subtexto que provocam uma resposta emocional e intelectual na gente que assiste.
Lee está pregando para o seu público? Não, ele prega para a sociedade. A sociedade que deve mudar pra melhor. Dando uma chance ao filme será difícil você discordar das coisas que Lee está dizendo, independentemente de sua raça, credo ou cor.
5 pipocas!
Em cartaz na Netflix