Milhões de brasileiros todos os meses desembolsam parte de suas economias para pagar pelos serviços de abastecimento de energia elétrica, muitas vezes arcando com valores extorsivos e fora da realidade, muito além de sua capacidade contributiva. E agora, na maior crise de saúde da história brasileira, com as economias populares indo a pique em consequência da pandemia da Covid-19, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) suspende a medida excepcional que protegia os consumidores e recoloca o alicate do corte do fornecimento nas mãos das concessionárias.
Para esses contribuintes – que somente à Energisa renderam R$ 14,3 bilhões de receita líquida consolidada em 2018 – não resta outra solução, indignada e necessária, que não seja a de questionar o papel das reguladoras. Ao autorizar os cortes de luz antes mesmo de a pandemia estar controlada, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) atendeu apenas um lado do consumo cujas relações deveria equilibrar. Em detrimento do consumidor com suas economias exauridas nesta crise, o fornecedor monopolista tem de volta um dos seus mecanismos de lucro, obtido pela pressão do “ou paga ou fica no escuro”.
LADAINHA
A Aneel, porém, faz a sua ladainha justificante. Primeiro, lembra que em março aprovou a Resolução Normativa nº 878/2020, estabelecendo um conjunto de medidas para garantir a continuidade do serviço de distribuição de energia e a proteção de consumidores e funcionários das concessionárias em meio ao cenário de pandemia da Covid-19. Um gesto generoso, mas efêmero, porque em seguida, quatro meses depois, com o país em situação mais grave com a crise da pandemia, a agência ouviu o clamor do lucro empresarial e desfez a resolução.
Segundo a agência, mesmo autorizando o corte de energia a quem considera que pode pagar e não está pagando, sua generosidade permite manter o abastecimento para os consumidores classificados de baixa renda enquanto durar o estado de emergência da pandemia. Conforme o Decreto Legislativo nº 6/2020, esse prazo vai até o fim de 2020. Entre as atividades que estão sendo retomadas destacam-se o atendimento presencial ao público, entrega mensal da fatura impressa e possível suspensão do fornecimento por falta de pagamento, desde que os consumidores sejam reavisados.
Também devem voltar a ser cumpridos os requisitos e prazos de prestação de serviços exigidos anteriormente. Nesses casos, são previstos os seguintes prazos para regularização de atividades das distribuidoras: até 31/8/2020, serviços solicitados pelo consumidor e não atendidos, inclusive ressarcimento por danos em equipamentos; até 31/10/2020, pagamento de compensação por violação de indicadores de continuidade, com atualização monetária calculada com base no IGP-M.
REPÚDIO
Em abril deste ano, o deputado estadual Renato Câmara (MDB), membro titular da CPI da Energisa, apresentou uma moção de repúdio na Assembleia Legislativa com questionamentos sobre os critérios técnicos adotados pela Aneel para reajustar, a partir de julho, a tarifa de energia de pelo menos um milhão de consumidores atendidos pela Energisa em Mato Grosso do Sul. O aumento – de 6,9% – é superior à inflação oficial dos últimos 12 meses (4%), observou Câmara.
Segundo a Aneel, o cálculo para definir o reajuste levou em conta os custos de aquisição e transmissão de energia elétrica e encargos setoriais. Mas Renato Câmara fez o contraponto: “Além de o reajuste ser aplicado no período em que o Estado e o país enfrentam uma grave crise econômica e social em razão da pandemia do coronavírus, a agência reguladora utilizou critérios bastante questionáveis para justificar o aumento na tarifa”, pontuou.
“Não dá para entender. Tivemos registro considerável de chuvas nos principais reservatórios. Não temos o risco hidrológico que foi previsto pela Aneel, estamos com reservatórios cheios. Então, não há motivos para o consumidor pagar esse reajuste. Estamos vivendo uma crise sem precedente que já impacta diretamente nas condições de vida das famílias”, justificou o deputado ao apresentar o requerimento.
Renato Câmara disse que além do risco hidrológico, outro questionamento que se fez necessário analisa o uso do IGP-M pela Aneel para calcular o reajuste em Mato Grosso Sul. “Embora previsto contratualmente, esse índice prejudica o consumidor, uma vez que em 12 meses fechou em 6,81%, ante 3,37% do IPCA”, completou.