No dia 14 de março de 2019, aos 56 anos, morria no Rio de janeiro, vítima de um infarto fulminante, o advogado Gustavo Bebianno. Amigos íntimos afirmaram que morreu atropelado por uma profunda tristeza pela forma humilhante com que foi obrigado a deixar a secretaria-geral da Presidência da República. Ele havia deixado o cargo, com status de ministro, em fevereiro, 48 dias após a posse e em meio a um racha no PSL – parido dele e do presidente Jair Bolsonaro – por causa de denúncias de candidaturas “laranjas”.
Bebianno inaugurou a revoada de titulares do primeiro escalão que saíram ou foram convidados a sair do staff governamental, quase todos em contextos traumáticos ou vexatórios. De janeiro até agora, em um ano e meio, já foram rifados 11 ministros. Na conta não estão incluídos aqueles que foram remanejados, como Onix Lorenzoni, que saiu da Casa Civil e foi para o Ministério da Cidadania, e André Mendonça, que da Advocacia-Geral da União (AGU) passou para o comando do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Com as pastas que ocupavam, já não são mais ministros: Secretaria-Geral da Presidência (Gustavo Bebianno e general Floriano Peixoto, que foi para a direção dos Correios); Educação (Ricardo Vélez, Abraham Weintraub e Carlos Alberto Decotelli); Secretaria de Governo (general Santos Cruz); Cidadania (Osmar Terra); Saúde (Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich); Desenvolvimento Regional (Gustavo Canuto); Justiça e Segurança Pública (Sérgio Moro).
SEM TITULAR
Duas pastas estavam sem titulares até à última quinta-feira (2), quando esta matéria foi paginada: as da Saúde, há 50 dias com o general Eduardo Pazuello respondendo em caráter interino, e da Educação, que está com o cargo de ministro vago desde terça-feira (30), quando Carlos Decotelli pediu demissão cinco dias após ser anunciado pelo presidente como substituto de Abraham Weintraub.
E são exatamente esses dois ministérios os que mais chamaram a atenção pelo rodízio de chefias e pela redução de sua importância em função de escolhas mal feitas ou maltratadas pelo Planalto. No MEC, nunca o ensino brasileiro foi tão mal cuidado como nesta gestão. O primeiro ministro da era Bolsonaro, o colombiano naturalizado brasileiro, Ricardo Vélez, indicado pelo polemista Olavo de Carvalho, o guru da família Bolsonaro, caiu de paraquedas na Esplanada dos Ministérios.
Revelou-se um desastre político e gerencial. Com a pregação inaugural em favor de uma “escola sem partido”, puxou sua primeira cordinha. Em seguida declarou que brasileiros em viagem “roubam coisas dos hotéis e o assento salva-vidas do avião”, comportando-se como “canibais”.
Depois recomendou às escolas que as crianças fossem filmadas cantando o hino nacional. Exonerou 20 assessores que acabara de contratar, trocou em uma semana quatro secretários-executivos e avisou que iria reescrever livros didáticos para esclarecer às crianças que não houve golpe militar em 1964.
DESASTRES
Vélez acabou sendo substituído por Abraham Weintraub. E o desastre ganhou um novo formato. Além de repetir gafes e intervenções semelhantes às do antecessor, como errar grosseiramente na grafia da língua portuguesa, insistir nas teses da “escola sem partido” e da reabilitação didático-pedagógica do golpe militar, Weintraub ainda se confundiu no agendamento e na estruturação das provas do Enem.
Porém, o que mais o complicou foram as agressões infamantes aos chineses, a quem debitou a conta da criação do Covid-19, e os ataques à democracia e às instituições como o Congresso Nacional e o Judiciário. Numa reunião de ministros com o presidente, disse, sem citar nomes, que ministros do Supremo Tribunal Federal são “vagabundos” que deveriam ser presos. A saída de Weintraub era uma reivindicação antiga do núcleo militar do governo e de parlamentares, em especial do centrão, pelo menos desde novembro. Porém, Bolsonaro começou a se convencer do afastamento do auxiliar após o STF pressionar. Weintraub já é investigado no inquérito das fake news, que corre na Corte, por se referir aos integrantes do STF como “vagabundos”.
Após a demissão pedida por Weintraub, o nome de Carlos Alberto Decotelli da Silva chegou a gerar expectativa de pacificação dos ânimos. Pura ilusão com mais um oficial reformado das Forças Armadas. O currículo que apresentou tinha, segundo suas palavras, inconsistência, que na verdade eram títulos inexistentes, um de doutor pela Universidade de Rosário, na Argentina, e outro de pós-doutor pela universidade alemã de Wuppertal. Foi desmentido pelas duas instituições. E ainda foi alvo de outra suspeita: a de plagiar uma tese em dissertação de mestrado na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Diante da pressão pela descoberta das fraudes, o ministro, que durou apenas cinco dias no cargo, pediu demissão.
GRIPEZINHA
O presidente Jair Bolsonaro não ficou apenas na minimização da pandemia da Covid-19 ao classifica-la de “uma gripezinha” e sugerir que prefeitos e governadores deveriam ser responsabilizados pelo agravamento da crise econômica caso não relaxassem as medidas de isolamento social amplo. Esta foi a causa maior da crise do setor de saúde pública do Brasil, instalada desde a demissão do ministro Luiz Henrique Mandetta, em abril, e até hoje sem solução.
Depois de Mandetta, o titular escolhido por Bolsonaro foi o médico Nelson Teich. Em princípio, dava sinais de que seria fiel à tese e a teimosia negacionista de Bolsonaro em relação à pandemia. Começou acenando com a intenção de incentivar o afrouxamento das restrições à circulação e aglomerações de pessoas. Porém, diante da escalada ascendente dos números de contaminação, foi mudando de ideia e dando um novo direcionamento com base nas recomendações científicas, atitude que irritou Jair Bolsonaro e causou sua demissão. Agora, o ministério está há quase dois meses sob o comando interino de um general de Exército, enquanto a doença se alastra.
De todas as quedas ministeriais, as mais impactantes, sem dúvida, foram as de Weintraub, na Educação, pelo baixo nível das agressões que lançou contra autoridades do Brasil e o governo chinês; de Mandetta, na Saúde, que era o ministro mais elogiado do governo por sua atuação no combate à pandemia; e de Moro, na Justiça, investido no cargo como um super-ministro e em pouco mais de um ano debilitado no cargo por um presidente que o queria como simples serviçal e acabou sendo emitido por dois motivos: um, de sua própria lavra, ao não aceitar interferência nos assuntos reservados da Polícia Federal, que entre outras coisas investiga familiares do presidente em casos de corrupção nos esquemas da “rachadinha” e das fake news; e para completar o ex-juiz da Lava Jato deve ser em 2022 o mais forte concorrente de Bolsonaro na disputa presidencial.