Antes que qualquer fanático defensor do presidente da República faça os seus juízos e comece a disparar as pesadas balas com que o fanatismo costuma responder às críticas, esta Folha deixa claro que não existe nenhuma pré-disposição de fazer dele um alvo gratuito. É compromisso inegociável deste veículo contribuir com os legítimos e verdadeiros propósitos que unem os brasileiros interessados em ver o País crescendo com soberania, justiça social, sustentabilidade, paz e demais condições inerentes a um regime democrático e ao estado de Direito.
Se há autonomia para elogiar, o elogio é exercido nestas páginas desde o dia do nascimento do jornal. E com igual autoridade, a crítica também é exercida. Assim, a crítica e o elogio constituem manifestações colaborativas com aqueles objetivos acima descritos.
A pandemia do coronavírus trouxe ao Brasil o conjunto de crises que infelicitam povo, autoridades e instituições. Assim, a crise na saúde produziu a crise econômica, a social, a da sustentabilidade ambiental e, agora, a crise política, exatamente a que seria a menos complicada para evitar. Não fosse a postura do chefe da Nação, que demorou um longo tempo para dimensionar a gravidade da situação e perdeu-se nos dilemas que ele próprio criou, seguramente boa parte das respostas à pandemia já teriam sido dadas e os estragos minimizados mais do que já foram.
No meio do furacão pandêmico, Jair Bolsonaro deu as costas ao drama da luta incerta pela vida que é travada por milhões de pessoas expostas no Brasil a um vírus letal, de poder ainda desconhecido em sua totalidade, capaz de propagar-se e de matar com incrível velocidade se encontrar ambientes favoráveis. Esta lição vem sendo dada e repetida exaustivamente pela Ciência e pela Medicina – mas o Sr Jair Bolsonaro dá as costas ao conhecimento científico, desmoraliza o próprio ministro da Saúde quando este segue os protocolos médicos e torna-se, ele, o presidente, seu próprio inimigo.
E este comportamento trouxe instabilidade política. Dividiu a própria base de governo dentro do Planalto. Bolsonaro trombou com ministros de peso como Luiz Mandetta, cujo protagonismo o incomodou; Sérgio Moro, a quem reclamou por não seguir sua obsessão pela desobediência aos protocolos científicos; e até Paulo Guedes, antes um pau-mandado do capitão e hoje alguém preocupado mais com a própria vida e saúde que com a economia.
No Congresso Nacional a base governista já não oferece tranquilidade caso seja levada a votar um eventual processo de impeachment presidencial.
Nem o Planalto tem certeza se há maioria folgada e passiva disposta a acoitar o mandatário. No STF também é visível a insatisfação e o desconforto diante da postura de um presidente que dias atrás insuflava seus acólitos a espancar oralmente e com gestos ofensivos a magistratura, ora reivindicando o fechamento da Corte, ora apregoando represálias a alguns ministros.
O Brasil, neste momento, precisava de um líder inteiro, racional, sensível, capaz de reconhecer a gravidade da situação e de ouvir os apelos da Ciência, as orientações de quem estudou anos e anos a fio para vasculhar e compreender segredos que estão longe de ser compreendidos pelos mortais comuns. Não satisfeito, na terça-feira passada, após sucessivas atitudes desastradas de exposição de sua parte e dos seguidores, acuado pelo volume de notícias dando conta de seu isolamento político e da evolução das teses de impeachment, foi aconselhado pelo staff militar, a fazer um pronunciamento à Nação com a tentativa de acalmar os ânimos e afastar de si o perigo de uma crise política devastadora.
Mas a fala não obedeceu ao figurino desejado. Houve um pequeno parágrafo de rendição aos protocolos científicos. Pequena rendição, porque em seguida voltou a içar sua bandeira do “eu contra tudo e contra todos” e fraudou, sem nenhum rubor, a fala do presidente da Organização Mundial de Saúde, para ajustá-la à sua tese maluca de que a pandemia não impõe o máximo de isolamento social para que as pessoas fora do grupo de risco voltem à vida normal para manter a economia girando.
Não. Jair Bolsonaro não é deste planeta. Quem viver verá!
GERALDO SILVA