Na terça-feira passada, 11, a audiência pública na Câmara dos Deputados com o ministro da Educação, Abraham Weintraub, forneceu mais um capítulo para qualquer similar do Febeapá (Festival de Besteiras que Assola o País), a genial sátira criada por Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, para registrar o ridículo, o vexatório e o boçal na conduta de grande e despreparada parte dos políticos brasileiros. Esta coleção de gafes tem a contribuição sul-mato-grossense.
Na audiência de terça, a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) sugeriu a Abraham Weintraub que inclua as universidades públicas no programa governamental que institui no sistema educacional a política de escolas cívico-militares. A intenção de Soraya – que é dona, com a família, de uma rede de motéis – foi definida como “coibir os atos culturais ou de protestos” e, com isso, barrar comportamentos que considera inadequados dentro de um estabelecimento de ensino. Em sua argumentação, contou ter recebido fotos de mulheres “seminuas” com a axila peluda em banheiros de universidade, classificando o ato como “tétrico”. Ela citou também pichações em salas de aula.
“Eu recebi dias atrás fotos dentro de banheiro de universidade federal de meninas seminuas tirando foto, minorais, fotos seminuas, uma coisa assim tétrica, e salas de aulas totalmente pichadas. É triste, nem debaixo da ponte a gente vê lugares daquele nível”, contou. De acordo com a senadora, as mulheres estavam mostrando os pelos como se fosse um protesto, o que não deveria ocorrer dentro de uma universidade federal.
“Axilas com pelos. Elas exaltavam aquilo como um protesto, como se ninguém deixasse elas não terem a depilação. Não sei o que acontece, mas isso não é coisa pra ser tratada dentro de universidade federal. Mas se o reitor se insurge contra aquilo, se os professores se insurgem contra aquilo, é um problema grave”, continuou, defendendo a implementação do modelo utilizado no ensino básico para o ensino superior.
ONDE ESTOU?
Soraya, uma senadora, que tem entre suas responsabilidades do mandato elaborar leis, sequer deu-se conta que sua sugestão, além de ferir a autonomia universitária, ainda contraria a ordem legal. Foi o que o até confuso e contestado Weintraub observou para uma agente pública que já deveria saber disso, pontuando que para coibir esse tipo de protestos numa universidade é preciso mudar a legislação por meio de mecanismos congressuais e do Executivo.
A reivindicação policialesca, o desconhecimento da legislação e a debilidade dos apelos argumentativos contradizem a imagem que Soraya Thronicke, 47, quis imprimir ao surpreender todas as pesquisas e se eleger senadora, no embalo da onda bolsonarista que bateu às urnas de 2018. Advogada, é MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, tem pós-gradução em Direito Tributário e Direito da Família e Sucessões, sócia da empresa Cabral Gomes & Thronicke Advogados Associados e vinculada aos negócios da família com motéis.
NÍVEIS OBSCENOS
Soraya e o deputado federal conterrâneo Tio Trutis (PSL) estão listado pelos jornalistas que cobrem política em Brasília entre os parlamentares que protagonizam algumas das mais bizarras intervenções. Em um de seus artigos, o prestigiado jornalista e blogueiro Fernando Brito definiu com uma frase-título a sugestão da senadora a Weintraub: “a imbecilidade chegou a níveis obscenos”.
Em seguida, Brito acrescentou: “A única ligação entre axilas e cultura que já ouvi era o apelido de sovaco ilustrado dado aos sujeitos que, diziam nos anos 50 e 60, andavam com livros não lidos debaixo o braço, para parecerem cultos sem jamais terem de se haver com aquele amontoado de letrinhas”. Ao observar que “a senadora moralista” é dona, com a família, de motéis em Campo Grande, e projetou a decoração erótica das suítes, Brito deduziu que Soraya fez a sugestão ao ministro para que, quem sabe, policiais militares patrulhem os banheiros femininos.
O jornalista arremata assim: “Espera-se que a senadora, ao defender a repressão onipresente nas universidades, ao menos se inspire na decoração que fez, pessoalmente, em seus motéis, descrita pelo [site] G1: dois quadros decorativos com algemas de pelúcia e um chicote também reproduzem parte do arsenal guardado no quarto vermelho”.