A irresponsabilidade existe em toda parte e os irresponsáveis povoam o mundo nas suas mais diversas formas de organização e ajuntamento, da família ao ambiente de trabalho, do clube de futebol às instituições teoricamente mais rígidas, como as igrejas religiosas e os poderes constituídos do sistema democrático e republicano.
No Brasil, assim como em qualquer lugar do planeta, erros em procedimentos pré e pós-judicial são cometidos dia sim, dia não, ora involuntariamente, ora de plena e desligada consciência. Tanto nas fases preliminares – no âmbito da investigação policial ou da denúncia pelo Ministério Público -, como no andamento do feito judicial junto aos tribunais, multiplicam-se perigosamente os procedimentos equivocados, nascidos quase sempre do desconhecimento de fundamentos e de ritos legais, inobservância de regras elementares do Direito e – o que é mais alarmante – até da má fé.
Muitas vezes, os danos ou prejuízos morais e financeiros decorrentes de erros ou encaminhamentos com erros interpretativos são de tamanho vulto que não há socorros compensatórios suficientes ou capazes de repará-los. Um exemplo dos mais conhecidos no País é o caso dos irmãos Naves, de Minas Gerais, acusados e condenados à prisão por um crime que não haviam cometido.
Os Naves ficaram presos de 1938 a 1953. Quando a inocência de ambos foi reconhecida e a ordem de soltura executada, já se haviam passado 15 anos. E nenhuma indenização financeira, como a que lhes foi concedida, seria capaz de trazer de volta a juventude e o vigor dos sonhos pisados pelo tempo de dor e envelhecimento na prisão. Foram vítimas de erros na acusação que fomentaram outros erros no processo e no julgamento.
Durante o 24º Seminário Internacional de Ciências Criminais, promovido em São Paulo pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), em 2018, duas mulheres, as criminalistas Maíra Fernandes e Dora Cavalcanti, salientaram que as principais causas de erros judiciais são “falsas acusações, reconhecimento errado do autor do crime, perícias imprecisas, abusos de agentes estatais e confissões forçadas, muitas vezes obtidas mediante tortura”.
É por essas e outras que o Brasil de hoje precisa conhecer regramentos básicos da lei e prestar atenção no comportamento e nas intervenções aqueles encarregados de aplicá-las em seus respectivos domínios. As matérias do site The Intercept Brazil sobre as mensagens trocadas entre duas conhecidas e respeitáveis figuras públicas, o juiz Sérgio Moro (hoje ministro da Justiça) e o procurador do Ministério Público Federal, Deltan Dallagnol, contêm revelações que acendem o temor pela estabilidade do estado de direito democrático.
Independentemente da responsabilidade penal do ex-presidente Lula, que não é inimputável como qualquer pessoa, as conversas por meio do aplicativo Telegram dão a ideia de que erros grosseiros em procedimentos nada profissionais e nem republicanos podem estar sendo cometidos em outras praças e envolvendo pessoas que não dispõem de visibilidade e nem de defesas jurídicas credenciadas à semelhança do ex-presidente.
Assim, a mão pesada de procedimentos mal esclarecidos e que juridicamente são passíveis de duros questionamentos, lançou no domingo, com a escora midiática de um dos programas globais de maior repercussão, uma pesadíssima pedra de suspeição e pré-julgamento sobre os ombros, a moral e a tranquilidade de um jovem.
Não importa se é filho do governador ou o pintor de meio-fio. Qualquer cidadão precisa ter seus direitos assegurados e não ser exposto à sentença condenatória sugerida por reportagens que, conforme se demonstrou, são requentadas e enfatizadas na desfiguração da imagem da pessoa. A Justiça precisa que a verdade se manifeste, por si, e não pela vontade que convém a cada um.
GERALDO SILVA