O assassinato de gênero é uma das grandes pragas da humanidade. Além das agressões a homossexuais, negros, índios e moradores de rua, a violência contra a mulher está entre os registros de maior ocorrência nas delegacias de Polícia e, não-raramente, nos obituários e fichas hospitalares. O Brasil ocupa o quinto lugar no ranking mundial de feminicídio, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas Para os Direitos Humanos (ACNUDH). Só perde para El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. Em comparação com países desenvolvidos, aqui se mata 48 vezes mais mulheres que o Reino Unido, 24 vezes mais que a Dinamarca e 16 vezes mais que o Japão ou Escócia.
Mais da metade das mulheres assassinadas no mundo em 2017 foram mortas pelo companheiro ou familiares, o que faz da própria casa “o lugar mais perigoso do mundo para uma mulher”, revela um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU). Em 2018, o gabinete da ONU sobre Drogas e Crime (UNODC) calculou que, de um total de 87 mil homicídios de mulheres registrados em todo o mundo naquele ano, cerca de 50 mil (58%) foram cometidos por companheiros ou familiares. Cerca de 30 mil (34%) homicídios foram praticados pelo parceiro da vítima.
No Brasil, só nos primeiros 11 dias deste ano, 33 casos estão contabilizados nos registros da Polícia, sendo que 16 mulheres morreram e 17 sobreviveram. A média é de cinco casos a cada 24 horas. Os dados dos últimos anos mostram que a estatística da violência contra a mulher no Brasil tem piorado muito: No Rio de Janeiro, entre janeiro e novembro do ano passado, foram registrados 62 feminicídios e 269 tentativas.
QUADRO APAVORANTE
A Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública) informa que no ano passado foram registrados 27 casos de feminicídio em Mato Grosso do Sul – ou o equivalente a uma média de 2,25 mulheres mortas a cada mês. O feminicídio foi o único crime que aumentou no Estado. Homicídios dolosos tiveram redução de 15%, culposos no trânsito recuaram 12% e roubos seguidos de morte caíram 5%. Este é, infelizmente, só um registro oficial, porque há casos que ainda não tiveram o seu cenário apurado ou estão sob suspeita.
Um dos casos estarrecedores foi o assassinato da estudante indígena Maiana Barbosa, 20, e sua filha Dandara, de apenas um mês. A jovem e a bebê foram esfaqueadas pelo namorado de Maiana, enquanto dormiam na madrugada do dia 26 de novembro, em Dourados. Marcos Fioravanti Neto, de 22, foi preso e indiciado por duplo feminicídio.
Ainda em Dourados, Yara Macedo dos Santos, 30 anos, foi atacada no dia 25 de junho, com socos e um tiro na cabeça pelo ex-companheiro, Edson Aparecido Oliveira Rosa, 35. A agressão ocorreu quando Rosa e o filho de 14 anos andavam de bicicleta. Edson, que não aceitava o fim do relacionamento, foi preso enquanto tentava fugir da cidade.
Katiusce Arguelho dos Santos, 31, foi assassinada pelo ex-companheiro Bruno de Oliveira, de 29 anos, com 18 facadas. Ela havia sido agredida por ele no meio da rua, dias antes, no Bairro Portal Caiobá, em Campo Grande. Este foi o quarto crime de feminicídio registrado em janeiro de 2018 no Estado.
CONCIENTIZAÇÃO
O Calendário Oficial do Estado incluiu a Semana Estadual de Combate ao Feminicídio, com ações de mobilização e sensibilização da sociedade. O Dia Estadual de Combate ao Feminicídio (1º de março) está na lei nº 5.202. A data foi escolhida porque lembra a morte da jovem Isis Caroline, em 1º de junho de 2015, tida como o primeiro caso de feminicídio registrado no Estado, após a vigência da Lei 13.104/2015.
A lei assinada pelo governador Reinaldo Azambuja (PSDB) propõe discutir o feminicídio como a maior violação de direitos humanos das mulheres, por meio de ações de mobilização, palestras, panfletagens, eventos e debates; divulgar os serviços e os mecanismos legais de proteção à mulher em situação de violência e as formas de denúncia. Para a subsecretária de Políticas Públicas para Mulheres de Mato Grosso do Sul, Luciana Azambuja, a existência de uma lei criando um dia e uma semana para debater o feminicídio dá visibilidade a um “assunto que precisa ser discutido, que é a violência contra as mulheres, a violência de gênero que subjuga, humilha e mata uma mulher a cada duas horas no Brasil”.
HISTÓRICO
A palavra “feminicídio” se refere ao assassinato de mulheres e meninas por questões de gênero, ou seja, em função do menosprezo ou discriminação à condição feminina. Isso não indica, no entanto, que toda mulher assassinada é vítima de feminicídio. É um crime de ódio no qual a motivação da morte precisa estar relacionada ao fato de a vítima ser do sexo feminino. A palavra foi difundida na década de 1970, pela socióloga sul-africana Diana E.H. Russell (“femicide”, em inglês). Com esse novo conceito, ela contestou a neutralidade presente na expressão “homicídio”, que contribuiria para manter invisível a vulnerabilidade experimentada pelo sexo feminino em todo o mundo.
O Mapa da Violência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que o número de mulheres assassinadas aumentou no Brasil. Entre 2003 e 2013, passou de 3.937 casos para 4.762 mortes. Em 2016, uma mulher foi assassinada a cada duas horas no país.