Nos últimos dias de 2018, com as perspectivas de novos horizontes de superação de crises, a esperança em dias melhores dominou as celebrações efusivas pela chegada de um novo ano. Infelizmente, os primeiros dois meses de 2019 não correspondem ao que esperavam os otimistas. Uma sequência de desgraças coletivas e individuais deixa a população chocada, temerosa, entristecida e angustiada, sem saber o que mais ainda está por vir.
Diversas tragédias vêm sendo registradas de norte a sul do País, a maioria ligada à violência do cotidiano. Contudo, um impacto diferenciado, doloroso e contaminante é produzido por acontecimentos traumáticos que, se não fossem os erros, a negligência e a inversão de valores humanos poderiam ser evitados. A morte do consagrado jornalista Ricardo Boechat na segunda-feira, 11, e do piloto Ronaldo Quatrucci, num acidente de helicóptero, está entre os mais recentes capítulos desse enredo que enluta, comove e causa profunda indignação.
Os brasileiros já vinham chorando e se revoltando pela perda e mutilação de vidas e do meio ambiente no rompimento da Barragem da Vale do Rio Doce, em Brumadinho (MG), em 25 de janeiro; nas chuvas e alagamentos em várias cidades; e nos incêndios nos centros de treinamento do Flamengo e do Bangu, no Rio de Janeiro. Em todos eles, a presença dos elementos naturais e a constatação de interferência humana, por negligência ou atenção insuficiente.
A terra soterrou centenas de mineiros e turistas em Minas Gerais. A água afogou ao menos sete cariocas atingidos pelo temporal e fortes ventos. O fogo queimou mais de 10 adolescentes nos CTs do Flamengo e do Bangu. O ar era o espaço de locomoção do helicóptero que transportava Ricardo Boechat e seu piloto. Com tantos desgostos, fica a sensação de que, a qualquer momento, o país pode ser sacudido por outra catástrofe, criminosa ou não. Cabe à pessoa indignada agir para evitar novas desgraças e torcer para que tantos desastres e tantas vítimas sejam indutores de uma nova e afirmativa consciência de responsabilidade no cuidado com a vida.
BRUMADINHO
Até o início da semana passada, o número das mortes causadas pelo rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, era de 165. Dados divulgados pela Coordenadoria Estadual de Defesa Civil de Minas Gerais (Cedec/MG) apontam que, do total de vítimas fatais, haviam sido identificados mais de 160 corpos. Ainda continuam desaparecidas cerca de 160 pessoas, sendo 38 funcionários da Vale e 122 trabalhadores terceirizados ou moradores da região. Outras 138 pessoas permanecem desabrigadas e duas vítimas estão hospitalizadas.
Um documento interno da Vale já previa, em outubro de 2018, os gastos com uma eventual ruptura da barragem. O relatório, que contém informações sobre impacto financeiro, vítimas e quais as possíveis causas do colapso, é usado pelo Ministério Público de Minas Gerais em ação que demanda adoção de medidas urgentes para evitar novos desastres. Segundo o MP, o documento da mineradora aponta que dez barragens, incluindo a Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, estão em situação de risco.
O estudo projetava que uma tragédia provocaria mais de 100 mortes — o cenário conjectura o rompimento durante o dia e com os alertas sonoros funcionando. Os custos de uma eventual ruptura foram estimados em US$ 1,5 bilhão (cerca de R$ 5,6 bilhões, ao câmbio atual). Inspeções já haviam constatado indícios de alagamento e erosão na lateral da barragem.
FLAMENGO
Assim como o rompimento da Barragem de Brumadinho, a tragédia no Ninho do Urubu (Centro de Treinamento do Flamengo em Vargem Grande, no Rio de Janeiro) gerou comoção mundial. Das 10 pessoas que morreram no incêndio, cinco estavam no quarto mais distante do container que servia de alojamento, onde estava o ar-condicionado que teria dado início ao fogo. Segundo o pneumologista Paulo Feitosa, a queima do container, que servia como dormitório, provavelmente emitiu um gás chamado cianídrico, o mesmo usado nas câmaras de gás dos campos de concentração nazistas de Adolf Hitler. “Se é que em uma tragédia dessas pode-se ter um conforto, provavelmente o gás cianídrico matou os meninos antes do fogo”, avalia o médico.
Promotores de Justiça se reuniram com representantes da diretoria do Clube de Regatas do Flamengo para tratar de questões ligadas ao incêndio, que além das 10 mortes feriu três pessoas. O Ministério Público está apurando o caso, mas já foi divulgado que a área do alojamento havia sido liberada para estacionamento. E embora aparentemente seguros quando bem preparados, os containers não ofereciam condições adequadas de saída.
BANGU
Na segunda-feira passada (11), um incêndio atingiu o alojamento utilizado pelo time do Bangu na CDA (Comissão de Desportos da Aeronáutica), no Campo dos Afonsos, na Zona Oeste do Rio. Ficaram feridas nove pessoas. Dois jogadores e um militar foram socorridos e levados para o Hospital da Aeronáutica, enquanto outros cinco atletas e um membro da comissão técnica precisaram receber atendimento médico e foram liberados. Os jogadores do time sub-20 estavam descansando após o treino da manhã e a refeição quando o fogo começou. O soldado se feriu ao tentar socorrer os atletas. As causas do incêndio estão sendo investigadas.
BOECHAT
Aos 66 anos, no auge de sua brilhante carreira, o âncora da rádio e da TV Bandeirantes, Ricardo Boechat, perdeu a vida tragicamente, ao lado do piloto Ronaldo Quatrucci. Eles estavam num helicóptero. O jornalista retornava de uma palestra e se dirigia ao Heliporto da Banda. Sobrevoavam a Rodovia Anhanguera e a aeronave perdeu velocidade e começou a perder altura. Passou entre dois viadutos e chocou-se com um caminhão. Piloto e passageiro morreram carbonizados. A aeronave, apesar de construída em 1975, estava bem conservada e tinha plena condição de voo – contudo, não tinha autorização para transporte de passageiros.
Um vídeo fornecido pela Polícia Civil mostra imagens com indícios de que o helicóptero pode ter soltado fumaça e começado a pegar fogo ainda no ar, antes de bater no caminhão. A tragédia enlutou o Brasil e repercutiu em todo mundo. Do presidente Jair Bolsonaro (PSL) a celebridades e políticos de todos os matizes a consternação foi das mais amplas. Ele era, e agora o Brasil se dá conta disso, o mais importante e o mais respeitado âncora do jornalismo brasileiro. Passou pelos principais órgãos de imprensa e era campeão de audiência na Rede Bandeirantes de Rádio e TV. Entre as características que o diferenciavam estava a clareza no raciocínio, a independência na análise, o amplo conhecimento, a contundência na crítica e no elogio e a irreverência.