Instituída há 18 anos para instalar uma cultura de zelo e probidade no trato da coisa pública, a Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe importantíssimos avanços. No entanto, há ainda necessidade de que seus objetivos sejam fortalecidos por mecanismos de maior e mais efetiva eficiência, tendo em vista a grosseira sucessão de deslizes administrativos e éticos de gestão irresponsável que continua sendo cometida.
O respeitadíssimo Marcus Abraham, professor de Direito Financeiro, doutor em Direito Público, mestre em Direito Tributário e MBA em Direito Empresarial, além de ex-desembargador federal do TRF da 2ª Região, define: “A LRF foi instituída para estabelecer um código de conduta aos gestores públicos, pautada em padrões internacionais de boa governança. A probidade e a conduta ética do administrador público como deveres jurídicos positivados passaram a ser núcleo da gestão fiscal responsável, voltada para a preservação da coisa pública”.
E é analisando a definição do renomado mestre que se permite fazer uma rápida e incisiva abordagem sobre até que ponto a LRF foi observada neste Mato Grosso do Sul que passou oito anos atropelado por um governo que o sucateou e o atirou ao mais fundo dos imprevisíveis abismos da ingovernabilidade. Quando concluiu seu governo em 2014, o gestor estadual investido em 2007 entregou um Estado falido, não só financeira, mas moral e operacionalmente.
Pior, no entanto, além do acúmulo de dívidas, foi a irresponsabilidade expressa no lançamento de obras sem sequer previsão concreta de disponibilidade orçamentária. Mais de 200 obras criaram expectativas superficiais, pois não foram concluídas. Algumas foram feitas parcialmente; umas mal começaram ou ficaram nos alicerces; e outras não saíram do papel, mas entraram na contabilidade das planilhas e projetos utilizados para agitar as empreiteiras do compadrio governamental e para ilustrar o perfil do magnífico tocador de obras, na verdade um cultor da megalomania.
Ora, se a LRF disciplina o uso correto e honesto da coisa pública e prevê sanções pertinentes ao descumprimento desses objetivos, pergunta-se porque é que as evidentes demonstrações de irresponsabilidade fiscal e financeira permanecem impunes. E ainda é de perguntar-se porque ainda se tolera que um gestor, em final de mandato, lance obras e contraia compromissos que, sabidamente, estão fora do alcance orçamentário e só vão causar ao seu sucessor o efeito de uma bomba retardada.
Mato Grosso do Sul estava condenado a amargar um rombo orçamentário de mais de R$ 1 bilhão caso prevalecesse a irresponsabilidade fiscal, financeira e ética de um governante que governou para si e para os “parças”. Ou não é o que sugerem as conclusões das forças-tarefa que realizaram operações especiais de combate ao crime organizado e à corrupção tendo como alvo central o referido governante, hoje um pré-candidato que tenta retomar o poder?
Por essas e outras, a LRF merece ser bem avaliada, até porque existem muitos gestores municipais, estaduais – e, quem sabe, até federais – dispostos a abrandá-la por considerar que seus mecanismos engessam as administrações. Na verdade, a LRF engessa é a má-fé, o dolo, o propósito subterrâneo, as artimanhas para quem faz mau uso da verba pública.
Que a LRF seja aperfeiçoada e, no mínimo, aprimore e detalhe, nos capítulos em que são apontadas as sanções, o que deve ser efetivado para impedir que o mau gestor continue livre, leve e solto, plantando fantasias e vendendo facilidades para conquistar a simpatia e a confiança gerais, explorando a boa-fé das pessoas e fazendo da impunidade uma aliança estratégica para driblar a vigilância e o controle. Contra esses é fundamental ficar de olhos bem abertos.
GERALDO SILVA